Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Condescendente’ é o que a mídia não pode ser

Do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa:

‘Condescender. 1. Transigir espontaneamente, ceder, anuir voluntariamente. 2. Transigir espontaneamente, ceder, anuir à vontade ou ao rogo de alguém.’

No encontro do presidente Lula com artistas, ontem à noite no Rio, ele reclamou da mídia. Segundo o relato da colunista da Folha, Mônica Bergamo – que por sinal voltou a dar um banho na concorrência em coberturas do gênero –, Lula disse em dado momento:

‘Se a imprensa desse para mim 10% da condescendência que deu para outros presidentes, eu teria hoje 70% dos votos.’

Está 50% errado. A Folha, já então o jornal brasileiro de maior circulação, bateu pesado no governo Fernando Henrique, a ponto de ser criticada – em vários casos com razão – por ‘denuncismo’ e ‘jornalismo fiteiro’ [esta última expressão, do observador de imprensa Alberto Dines].

No caso de Collor, a mesma imprensa que se deslumbrou com ele e o ajudou a ganhar a eleição de 1989 contra Lula foi que o derrubou, graças, principalmente, a duas matérias históricas: a entrevista da Veja com o irmão Pedro Collor e a entrevista da IstoÉ com o motorista do Fiat Elba da mulher do presidente.

Mas Lula deixou de afirmar o essencial, ainda mais considerando a platéia: que a imprensa não pode ser condescendente com nenhuma figura pública, voluntariamente, ou a rogo, como define o Aurélio. Pela omissão, permite que dele se diga que sonha o sonho de todo político: ser tratado com condescendência pela mídia, que divulgaria os seus acertos aos gritos e os seus erros aos sussurros.

Só que, na sentença imortal de Millôr Fernandes, ‘imprensa é oposição; o resto é armazém de secos e molhados.

P.S. Da série ‘Olha só o que foram exumar!’

Ontem à noite, FHC deitou falação. Numa palestra, disse que haveria base para o impeachmente de Lula, informa o Estado. Já a Folha preferiu destacar o trecho em que eele lamentou não haver no Brasil de hoje um Carlos Lacerda – o jornalista e político udenista cujas diatribes, lembra o jornal, contribuíram para o suicídio de Vargas em 1954, a renúncia de Jânio em 1961 e a derrubada de Jango em 1964.

Carlos Lacerda entrou para a história com o merecido apelido de corvo.

Aliás, também Lula falou dele ontem: ‘O que aconteceu com Getúlio Vargas? Foi levado à morte. O que aconteceu com João Goulart? E com o JK? Ele foi achincalhado pelo Carlos Lacerda e por outros que ainda hoje o representam.’

Carlos Lacerda, que começou a vida comunista, bandeou-se para a direita e antes de morrer participou da Frente Ampla com Jango e JK contra a ditadura, foi o maior tribuno brasileiro do seu tempo. Foi também o maior arquiteto da destruição que o Brasil moderno conheceu.

A política brasileira ficou menos emocionante, porém mais civilizada sem ele. Não faz falta.

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