Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Crise leva imprensa americana a discutir ajuda governamental

A crise na imprensa norte-americana ganhou nas duas últimas semanas um ingrediente altamente explosivo com a intensificação do debate, em universidades e institutos de pesquisas, sobre uma possível ajuda financeira estatal para garantir a manutenção do fornecimento de informações ao público.


 


Tudo começou, nos Estados Unidos, com o publicação do artigo The Uncle Sam Solution (A Solução do Tio Sam), assinado por Bree Nordenson, editora assistente da Columbia Journalism Review (Revista de Jornalismo da Columbia), da Universidade Columbia de Nova Iorque. O texto analisa um debate ocorrido em maio onde os principais executivos dos maiores jornais norte-americanos trocaram idéias com renomados acadêmicos da área da comunicação sobre os dilemas atuais da mídia nos Estados Unidos.


 


O artigo recupera uma polêmica declaração do professor da Universidade de Illinois, Robert McChesney, para quem “ não há duvidas, legais, constitucionais ou teóricas de que o jornalismo é um bem público capaz de garantir o funcionamento da constituição norte-americana” e acrescenta: “Este era o pensamento original de Jefferson e Madison, de todos os fundadores (os responsáveis pela primeira constituição norte-americana) desde o início. Não era algo opcional”.


 


McChesney é um liberal que dirige o movimento Free Press , que propõe a reforma da imprensa norte-americana e suas opiniões estão apoiadas na idéia de que é dever do Estado garantir o direito da população à informação.


 


A discussão acabou criando um grande paradoxo porque os críticos da grande mídia norte-americana, em intensidades variáveis, defendem uma eventual ajuda governamental para salvar seus desafetos, baseando-se no argumento de que o poder público deve garantir o acesso à informação.


 


Já os donos de jornais foram colocados numa situação desconfortável porque tradicionalmente condenam qualquer interferência estatal nos negócios da imprensa. Só que agora a ajuda viria em beneficio deles próprios, por isto adotaram o silêncio como estratégia política.


 


Esta semana (03/10) no seminário Jornalismo num Mundo 24/7  (24/7 é uma expressão para designar jornalismo 24 horas sete dias da semana), promovido pela Escola Annenberg de Comunicação da Universidade do Sul da Califórnia, e pela Online News Association,  a questão da ajuda governamental voltou a esquentar as discussões entre jornalistas, professores de jornalismo e estudantes, quando um panelista sugeriu o uso de verbas públicas para estimular a participação de pessoas sem formação jornalística na produção de notícias comunitárias.


 


Um dos primeiros acadêmicos a defender claramente a participação do governo na reforma da mídia norte-americana foi a professora da Universidade de Missouri, Geneva Overholser, no seu Manifesto for a Change (Manifesto pela Mudança) , lançado em 2006 e no qual a e ex editorialista do The New York Times afirma que o governo deveria ajudar os jornais porque sempre subvencionou as televisões e foi o principal incentivador da internet.


 


A questão das relações dos governos com a imprensa é altamente polêmica porque revive aquela velha máxima do ruim com ele, pior sem ele. Ruim com ele, porque os governos sofrem de uma compulsão inata em querer sair bem na foto quando seus atos e iniciativas são retratados na mídia.


 


O poder executivo não está sozinho nesta compulsão, porque os empresários jornalísticos também adotam o mesmo expediente, ajeitando a pauta noticiosa em função de seus interesses políticos e comerciais. Um exemplo claríssimo disto é a avassaladora cobertura dada pelas Organizações Globo ao lançamento do filme Tropa de Elite (produzido pela Globo),  olimpicamente ignorado pelas demais emissoras.


 


A questão também é complexa porque reaviva uma velha questão que as empresas querem deixar no esquecimento e que tem a ver com o conceito de informação como um serviço público. O discurso acadêmico parte do princípio de que o jornalismo visa o interesse social, mas, na prática, a atividade foi privatizada por empresas que tem sua própria agenda.


 


Isto acabou criando no público uma confusa percepção entre interesses públicos e privados. Muitos acabam consumindo informações movidas por interesses corporativos ou estatais achando que se trata de notícias de interesse público.


 


A questão da ajuda oficial para reduzir os efeitos da crise de modelo de negócios nas empresas jornalisticas pode não dar em nada mas pelo menos está quebrando o silêncio corporativo sobre a questão dos interesses ocultos na agenda noticiosa diária.