Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dantas na CPMI: detalhes ilustram disposição dos jornais em aprofundar investigação

A cobertura dos jornais de hoje, sobre o depoimento do controlador do Banco Opportunity, Daniel Dantas, na sessão conjunta das CPMI dos Correios e da Compra de Votos, é bastante elucidativa acerca do real interesse dos grandes jornais em aprofundar as investigações da corrupção que move a atual crise política.

A maioria dos jornais traz nas primeiras páginas a manchete de que o banqueiro ‘aponta’ (Folha de S.Paulo) ou ‘acusa’ (O Estado de S.Paulo) interferência do governo no setor das telecomunicações. A Folha de S.Paulo traz a menção genérica de que o banqueiro apontou ‘o governo’. O Estado de S.Paulo crava ‘governo Lula’. Nenhum dos dois chama a atenção na primeira página para a declaração de Daniel Dantas de que a alagada interferência vem desde o ano 2000 – no meio, portanto. do segundo mandato do ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Outro detalhe relevante é que o principal jornal de Economia do país, Valor Econômico, não traz qualquer menção ao depoimento na sua primeira página – apesar de dedicar página inteira no interior, na quarta capa do primeiro caderno, com foto gigante de Dantas que ocupa quase um quarto do espaço concedido.

Em contrapartida, a Gazeta Mercantil, concorrente direto do Valor, desmente o texto de primeira página do O Estado de S.Paulo, na manchete ‘Depoimento de Daniel Dantas na CPI envolve tucanos’. A reportagem da Gazeta Mercantil privilegia as ‘contradições’ em que o banqueiro caiu – a primeira delas ‘em menos de uma hora de depoimento’.

O Jornal do Brasil, a rigor, é o único que traz manchete crítica ao desempenho do banqueiro na CPMI: ‘Banqueiro esconde jogo na CPI’. O jogo ‘escondido’, na verdade, entrou como dedução do jornal, como se lê na abertura da reportagem que ‘Dantas frustrou a expectativa dos parlamentares que esperavam revelações sobre o mensalão e o esquema de corrupção envolvendo o PT’.

Cabe informar, neste ponto, que tanto a Gazeta Mercantil quanto o Jornal do Brasil são controlados pelo empresário Nelson Tanure, inimigo figadal de Dantas.

Outro ponto que merece sinalização – por demonstrar a disposição ou indisposição dos jornais com relação aos envolvidos na crise – está nos trechos que tratam da fala de Dantas sobre pagamento de refeições ao filho do presidente da República, Fabio, que teria sido feita por executivos da Brasil Telecom (controlada pelo banqueiro), durante uma feira de exposição de videogames, no Japão.

Dantas disse textualmente às CPMI:

‘A BrasilTelecom negociou com o filho do presidente Lula em relação à Gamecorp. Fui informado pela BrasilTelecom que houve uma viagem ao Japão. A passagem foi paga pelo filho do presidente. A empresa pagou algumas refeições, convidou o filho de Lula, mas entendeu que o preço pretendido era alto e não fechou negócio.’

A Folha de S.Paulo publicou:

‘Dantas revelou ainda ter sido informado por executivos da Brasil Telecom que a empresa pagou almoços e jantares em que esteve presente o filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fábio, durante uma viagem que realizou ao Japão em 2003’.

O Jornal do Brasil:

‘Os parlamentares queriam detalhes sobre os negócios do filho do presidente Lula, Fábio, com a BrasilTelecom. Dantas afirmou que a Brasil Telecom tentou fechar negócio, sem sucesso, com a Gamecorp, empresa de Fábio. Segundo ele, a BrasilTelecom pagou ‘algumas refeições’ para o filho de Lula no Japão, mas não as passagens’.

O Globo:

A negociação entre a BrT e a Gamecorp, empresa da qual é sócio o filho do presidente Lula Fábio Luiz Lula da Silva, também foi tratada no depoimento. Ao responder a uma pergunta da tucana Zulaiê Cobra (SP), o banqueiro admitiu que a telefônica fez proposta para comprar a empresa e que a BrT pagou despesas em restaurantes do filho do presidente durante viagem ao Japão. Depois de negociar com a BrT, a Gamecorp acabou se associando à Telemar:

— De fato, houve uma negociação com o filho do presidente Lula em torno da Gamecorp. Mas quem pagou a passagem (da viagem ao Japão) foi o filho do Lula’..

O Estado de S.Paulo foi o único a tratar do pagamento em reportagem em separado, com o título: ‘Dantas diz que bancou despesas do filho de Lula’.

O texto publicado traz:

‘No depoimento ontem às CPIs dos Correios e do Mensalão, o banqueiro Daniel Dantas admitiu ter tentado comprar participação na Gamecorp, produtora de vídeos sobre jogos eletrônicos que tem entre seus sócios Fábio Lula da Silva, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O preço pedido pela Gamecorp foi considerado alto pela Brasil Telecom, da qual o Banco Opportunity, de Daniel Dantas, é um dos sócios. A negociação acabou sendo fechada com a Telemar, por R$ 5 milhões.
O banqueiro contou, também, que a Brasil Telecom pagou despesas com refeições em viagem feita por Fábio Lula ao Japão para a compra de novas tecnologias. ‘Mas quem pagou as passagens foi o próprio filho do presidente Lula. Ele tem os comprovantes disso. A Brasil Telecom pagou alguns almoços e jantares para o filho do presidente’, ressaltou o banqueiro. ‘Não sei se a hospedagem foi paga pela Brasil Telecom’.

O Correio Braziliense:

A reportagem ‘Dantas denuncia pressão’, traz como subtítulo que ‘Dono do grupo Opportunity admitiu que a Brasil Telecom pagou a hospedagem de filho de Lula em viagem ao Japão’, e acrescenta: ‘Horas depois, Dantas recebeu a confirmação de que a companhia telefônica também pagou a hospedagem do filho do presidente no Japão’.

A cobertura do depoimento também privilegia muito mais o espetáculo promovido pelas altercações da senadora Ildeli Salvati (PT-SC) contra o banqueiro e pelo bate-boca que quase levou a senadora Heloisa Helena (PSOL–AL) e o deputado João Pontes (PDT-SE), de um lado, e o deputado Eduardo Valverde (PT-RR), de outro, às vias de fato. Ao particularizar os shows das senadoras e dos deputados, o noticiário não detalha (quando menciona) o esforço dos diversos parlamentares do PFL e do PSDB – deputados Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), Eduardo Paes (PSDB-RJ), Alberto Goldman e Zulaiê Cobra (PSSB-SP) e senador Heráclito Fortes (PFL-PI) – em proteger o banqueiro de perguntas incômodas.

Por fim, pouco se lê também sobre o despreparo dos parlamentares para a ocasião propiciada pelo depoimento do banqueiro. Em pelo menos uma das situações de completa desinformação apresentadas, Daniel Dantas aproveitou para confirmar uma inverdade. Ela aconteceu quando o deputado Carlos Abicail (PT-MT) referiu-se à economista Elena Landau como ‘ex-diretora do Banco Central’ que, após deixar o cargo no governo federal, serviu Dantas como ‘consultora’. A economista citada ocupou cargo muito mais estratégico no governo do que uma diretoria do BC. Ela foi, na verdade, ex-coordenadora do Programa Nacional de Desestatização do BNDES, que injetou recursos nas aquisições chefiadas pelo Opportunity durante a privatização do setor de telecomunicações. Ao sair do governo, passou a representar o Opportunity no conselho de administração da Telemig, também controlada por Dantas e um dos motivos da guerra que os fundos de pensão movem contra o banqueiro.

Mas os jornais não estão preocupados em vasculhar o que aconteceu durante as privatizações, que o jornalista Elio Gaspari batizou de privataria.