Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Democratizar a mídia? ‘Não a partir do Estado’

O repórter e colunista Fernando Rodrigues, da Folha, certa vez escreveu que o novo ministro da Justiça, Tarso Genro, era um ‘Rolando Lero’, por suas elucubrações sobre o papel dos partidos num segundo governo Lula, que incluíam uma complexa pensata sobre os pontos de contato entre o PT e o PSDB.

As idéias de Genro, principalmente quando expressas em artigos na imprensa, nem sempre são de fácil digestão. Mas não porque o seu autor esteja a fim de embromar.

Ele é um político intelectualmente ambicioso e não raro ousado – como ao pregar a refundação do PT, no sequência das denúncias do mensalão, e muito mais ao denunciar, no começo do ano, que o partido ‘viveu uma crise de corrupção programática e ética, não apenas conjuntural e não apenas decorrente de desvios comportamentais ou de pequenos abusos de poder e de confiança’.

Genro também é um observador bissexto da mídia. O problema com as suas manifestações a respeito é que sugerem algo no gênero ‘morde-e-assopra’. Antes a contradição, porém, do que o raciocínio em bloco, que praticamente reduziu a uma caricatura, durante a campanha presidencial, o imprescindível debate público sobre a conduta política da grande imprensa.

Hoje, ele aparece de novo falando do assunto numa rica entrevista aos bons perguntadores Valdo Cruz e Kennedy Alencar, da Folha. Além de dizer coisa com coisa, exibe uma visão matizada das relações entre mídia, política e sociedade – que só não há de agradar às turmas da pesada e aos portadores de viseiras ideológicas.

A seguir, as passagens da entrevista que tratam da imprensa. Em negrito, os trechos que podem ter surpreendido a mais de um leitor. São pautas para a reflexão.

‘FOLHA – Na campanha de 2006, o sr. sustentou que a imprensa agiu contra a candidatura de Lula em aliança com a elite paulista. Mantém a avaliação?

TARSO – No país não existe problema de liberdade de imprensa, nem de mau exercício da liberdade de imprensa. Existe um debate político importante sobre o futuro da democracia brasileira, em que a questão dos meios de comunicação é um elemento importante. Não acho que existe qualquer campanha conspiratória contra o governo Lula nem contra a democracia. O que falei foi que nitidamente a maior parte da imprensa estava contra o governo. Apenas o óbvio.

FOLHA – Na tese Mensagem ao Partido, documento para o 3º Congresso do PT assinado pelo sr., prega-se a democratização dos meios de comunicação. O que seria isso?

TARSO – Não será a partir do Estado. É uma questão de consciência da sociedade de como se organiza a circulação da opinião. No Brasil, existe liberdade de imprensa. Ela tem de ser preservada e está preservada na Constituição. Agora, qualquer país sério tem de discutir a liberdade de circulação de opinião, principalmente da opinião política, o que muitos países estão fazendo, mas não se trata de problema de liberdade de opinião ou de imprensa, e sim de circulação de opinião de forma mais plural.

FOLHA – Falta pluralidade à imprensa brasileira?

TARSO – Não falta pluralidade, porque os meios de comunicação têm várias posições políticas. Falta possibilidade da cidadania mais deslocada do debate político, afastada de assuntos de informação, poder exprimir de forma tão abrangente como os demais sua posição.

FOLHA – Como isso poderia ser feito, por meio de TV pública?

TARSO – Uma TV pública é importante. E o aumento do número de jornais, revistas, TVs privadas e públicas regionais.

FOLHA – O sr. acha necessário alguma regulação da imprensa, como se tentou no primeiro mandato com o Conselho Federal de Jornalismo?

TARSO – Não, eu acho que a liberdade de imprensa está bem regulada, há meios legais para que os cidadãos exerçam seus reparos à imprensa quando se sintam ofendidos.

FOLHA – O sr. interpelou judicialmente um colunista (Demétrio Magnoli) que o chamou de ministro da classificação racial, numa referência à política de cotas pelo sr. defendida. Não é um atitude contra o direito de opinião?

TARSO – Em primeiro lugar, não fui eu que fiz. Foi o advogado-geral da União. Em segundo lugar, para um filho de mãe judia, ser qualificado como integrante do ministério da ‘classificação racial’ é extremamente ofensivo. Se o advogado-geral não o tivesse interpelado, eu o teria feito. É um direito individual de um cidadão de esclarecer no plano jurídico o que a pessoa quis dizer com uma classificação desse tipo. Soube que a interpelação foi respondida e ela satisfez o advogado-geral. Respondeu que não teve a intenção de ofender.’

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