Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Desabafo futebolístico


Normalmente não escrevo sobre futebol porque há gente muito mais qualificada do que eu nesta área. Mas hoje não dá para resistir ao desabafo depois do que aconteceu ontem (sábado, primeiro de julho) em Frankfurt.


Está bem, ninguém mais quer falar de futebol depois da derrota contra a França. Mas a ressaca não pode nos impedir de ver uma coisa fundamental: o futebol já não é mais apenas um esporte. É um grande negócio, onde os jogadores viraram commodities e os interesses estão absolutamente globalizados.


Nós deixamos de ser torcedores para virarmos consumidores dos produtos e serviços estampados nas camisetas, uniformes e bonês de jogadores. Nossa emoção foi transformada em combustível para estímulos consumistas.


Nada disto é novidade, mas acho que nesta Copa de 2006, a coisa foi longe demais e nos permitiu ver com mais clareza como fomos manipulados


Os jornais, revistas, emissoras de TV e de rádio foram os encarregados de criar as fórmulas através da quais nossas emoções foram combinadas com interesses comerciais de forma que, torcendo pelo verde amarelo, nós acabassemos valorizando a Nike, Coca Cola, Guaraná Antártica e um monte de outras marcas.
Os jogos desta Copa deixaram de ter os ingredientes básicos do esporte, ou seja, a busca da superação individual e coletiva. Não passaram de exercícios de marketing, cuja pior consequência foi a de inocular na maioria dos torcedores o vírus da dúvida. Será que fomos realmenrte derrotados, ou tudo não passou de um acerto entre patrocinadores
? Fomos apáticos na partida contra a França porque fazia parte do script publicitário, ou porque, mais uma vez fomos realmente inferiores aos franceses?
A imprensa tratou de criar um estado de excitação nacional capaz de aplainar o terreno para o consumismo das marcas patrocinadoras. Nunca se viu um fenômeno como este, de exaltação frenética do verde-amarelo, transformado numa marca ou moda mais do que num símbolo de nacionalidade. Nem no regime militar.


A mídia foi coadjuvante na mega operação criada pelos patrocinadores para vender refrigerantes, bancos, automóveis e produtos lácteos, às custas do patriotismo. Agora, ela corre o risco de virar o saco de pancadas de uma opinião publica irritada, frustrada e desiludida, como mostram fartamente os comentários colocados em blogs sobre a Copa.
A imprensa acabou cativa da armadilha montada pelos grandes patrocinadores. Para fazer jus às grandes quotas publicitárias, jornais, revistas e emissoras de TV montaram sistemas bilionários de cobertura, para tentar atrair as maiores audiências possíveis.


Neste esforço acabaram trivializando a cobertura esportiva ao forçar o leitor a se preocupar mais com a bolhas nos pés do Fenômeno do que com a questão dos aumentos salariais de funcionários públicos. Faltou assunto. O público sentiu isto e começou a se mostrar apático e indiferente, diante de uma avalancha publicitária sem precedentes na história da mídia brasileira.


Os torcedores estão cada vez mais convencidos de que foram iludidos, como mostram os comentários da maioria dos blogs que acompanharam o noticiário esportivo. Falta agora agora a imprensa fazer também seu mea culpa.