Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Dilma e a internet, uma relação complicada

Ao lançar o Pacto Nacional de Enfrentamento às Violações dos Direitos Humanos na Internet, a presidente Dilma Rousseff evidenciou mais uma vez como o seu governo tem dificuldade para lidar com o caótico ambiente das redes sociais virtuais. O programa usa uma retorica irrepreensível mas ignora uma realidade que até agora desafia não apenas o governo da presidente, mas também a maioria dos demais governos do planeta.

Quase todas as tentativas de disciplinar o comportamento dos internautas não deram certo porque a internet tem como principal diferencial em relação à sociedade tradicional ou analógica a sua capacidade de dar visibilidade a atitudes, ideias e valores que permaneceram ocultos ou pouco visíveis na era industrial. O que torna possível esta visibilidade é o surgimento de tecnologias inovadoras que permitem a transparência e caráter viral da comunicação digital.

Quando a presidente promete preservar a liberdade de expressão no discurso de lançamento do pacto batizado de Humaniza Redes, ela não leva em conta o fato de que é esta mesma liberdade de expressão e comunicação que permite a visibilidade de comportamentos e ideias considerados atentatórios aos direitos humanos e à vigência do regime democrático.

Lançamento do programa Humaniza Redes

Lançamento do programa Humaniza Redes

A análise de cartazes exibidos por participantes dos protestos do dia 15 de março evidencia, nas ruas, um caos político e ideológico visível o tempo todo no Facebook — e que a imprensa e o governo acreditam ser uma característica da internet. Aberrações políticas e comportamentais existem no ambiente social independente do modelo comunicacional e informacional. A diferença é que na era pré-internet não havia uma tecnologia capaz de tornar visíveis, em escala planetária, comportamentos minoritários.

Proteger o princípio da liberdade de comunicação e expressão na internet significa preservar o livre fluxo de dados e informações na internet, o que equivale a preservar também a transparência da interatividade online. Nessas condições, o esforço para neutralizar comportamentos e ideias atentatórias aos direitos humanos implica ações de médio e longo prazos para formação de consensos mediante campanhas voltadas para a geração de novos comportamentos, crenças e valores. Novas regulamentações e punições podem, no máximo, ter caráter acessório e jamais resolverão, sozinhas, o foco dos problemas.

A tendência normal dos governos é apelar para leis, decretos e regulamentações como forma de resolver um problema. No caso da internet isso não funciona porque um dos princípios básicos da rede é a sua descentralização, o que inibe a ação de posturas centralizadoras. Assim, o pacto proposto pela presidente Dilma Rousseff pode, eventualmente, funcionar como uma atitude política visando efeitos institucionais, mas dificilmente chegará a resultados efetivos em matéria de neutralização de tendências antissociais na internet.

A combinação de transparência e descentralização na internet leva a solução do problema para o terreno do debate amplo onde, aí sim, a liberdade de expressão e comunicação torna-se indispensável. Num contexto digital, onde as redes sociais virtuais ocupam um espaço cada vez maior, a capacidade de os governos imporem normas reguladoras de condutas é muito reduzida. Se o governo da presidente Dilma quer participar do debate nas redes sobre comportamentos antissociais, o máximo que ele pode fazer é atuar como mediador, o que implica não impor a sua vontade.

Quando a internet permite que as pessoas atuem diretamente no debate por meio de comentários, blogs, fóruns, micromensagens e interatividade em redes sociais, instituições que se apresentam como representativas de cidadãos — como os governos e a imprensa — perdem boa parte dessa função. Ambos passam a ser o que sempre foram: representantes dos interesses dos ocupantes de hierarquias institucionalizadas. Sua representatividade num ambiente digital está mais vinculada a sua capacidade de mediar a busca de alternativas para o caos do que a de tentar domá-lo, de cima para baixo.