Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Façam Dirceu dizer o que não quer

A colunista Dora Kramer informa hoje que o deputado José Dirceu se dedica “com afinco e muita delicadeza” a oferecer entrevistas. E comenta:

“Diga-se a respeito da oferta que seu potencial jornalístico é bastante questionável, dada a intenção explícita do deputado de usá-las no seu estrito interesse pessoal e não no intuito de esclarecer fatos por ele protagonizados.”

Melhor aceitar a oferta do que criticá-la, digo eu.

Onze em cada 10 ofertas de entrevistas que batem nas redações dia sim, o outro também, transmitidas por assessorias de comunicação de tudo quanto é pessoa física e jurídica, querem o que quer Dirceu, com a diferença de que os outros candidatos a entrevistáveis escondem o jogo.

Salvo as proverbiais exceções à regra, ninguém se oferece à mídia para “esclarecer fatos”, movido por espírito público, mas quando esse esclarecimento convém ao “estrito interesse pessoal” do oferecido.

Foi o caso da entrevista do então deputado Roberto Jefferson que enriqueceu o léxico político brasileiro com o termo mensalão.

Às vezes, esclarecimento é esclarecimento mesmo. Na maioria dos casos, porém, esclarecimento é “esclarecimento”.

Diante disso, fazer o quê? Entrevistar apenas aqueles a quem se quer entrevistar (e topam ser entrevistados), mandando passear os outros?

O critério não pode ser esse. Interessa entrevistar quem é ou poderá ser notícia, desde que a notícia sirva ao propósito de informar o consumidor de informação.

E desde que o entrevistador esteja preparado para arrancar do entrevistado o que ele não quer dizer. Ou pelo menos para deixá-lo numa sinuca de bico, expondo e aproveitando os seus silêncios, titubeios e embromações.

Quando foi a última vez que você leu, ouviu ou assistiu a uma entrevista em que isso aconteceu?

O problema, portanto, não se resolve batendo a porta na cara do mundaréu de gente que precisa desesperadamente deitar falação na mídia para fazer do limão uma limonada. Resolve-se abrindo a porta para o entrevistado, mas de maneira tal que, se a sua intenção era tapear o público, ele se arrependa do dia em que nasceu.

Isso se consegue perguntando-lhe tudo que puder deixá-lo desconcertado, sem perder as boas maneiras jamais. E isso, por sua vez, exige o mais importante: uma lição de casa para ninguém pôr defeito.

Entrevistador com conhecimento de causa não é apenas o jornalista capaz de fazer as perguntas certas. É o jornalista capaz de rebater a resposta do entrevistado com outra pergunta ainda mais afiada. O mero fato de ele perceber que está diante de um inquiridor preparado o fará tropeçar nas próprias pernas, se estiver a fim de brincar de esconde-esconde com a verdade.

Já vi pessoas fazendo midia-training (simulações de entrevistas) perderem o rumo diante de perguntas que pegam na veia. O sujeito sabe que aquilo é teatro, que o entrevistador contundente e insistente é pago para prepará-lo a enfrentar situações de verdade — e ainda assim treme nas bases quando ouve o que não poderia imaginar que fosse ouvir. Porque o perguntador demonstra que sabe do que está falando.

O potencial jornalístico de uma entrevista com José Dirceu só será “questionável”, como escreve Dora Kramer, se a preparação do entrevistador for questionável. Ou se ele padecer de outra doença que tampouco é propriamente rara no ofício: temor reverencial diante do entrevistado.