Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Fernando Henrique Lula da Silva e o gasto social

Em outro lugar já relatei o prognóstico de um acadêmico petista-light de que, no futuro, os historiadores falarão dos anos 1995-2010 no Brasil como um único período.

Não apenas por causa dos muitos pontos em comum das políticas macroeconômicas de Fernando Henrique e Lula. Vista na perspectiva do tempo, continuidade, em grandes linhas e apesar dos vaivéns, também aparecerá nas políticas de educação e saúde.

E principalmente em matéria de programas sociais.

Por isso considero o texto mais importante de ontem nos grandes jornais brasileiros o que saiu no Estado, intitulado “Gasto social aumenta mais de 10 vezes desde 95”, do repórter Roldão Arruda.

Ele antecipa um estudo do Ipea que demonstra a regularidade dessa tendência: seja em números absolutos, seja como proporção do PIB, os desembolsos do governo federal cresceram sem um só ano de interrupção.

Na octaéride de Fernando Henrique, como escreveria o néo-lulista Delfim Netto, o gasto social saltou de R$ 1,3 bilhão para R$ 12,1 bi, ou mais de 9 vezes, já descontada a inflação. Nos três primeiros anos do governo Lula – até onde vão os números analisados pelo economista Jorge Abrahão, do citado instituto -, passaram de R$ 12,1 para R$ 18,8 bi.

Naturalmente, o ritmo de expansão do gasto social diminui com o tempo, porém a massa física de recursos é cada vez mais expressiva. Comparando coisas comparáveis, no terceiro ano do primeiro mandato de FHC, esses gastos somaram R$ 3 bi. No período equivalente da era Lula, R$ 18,8 bi.

Abrangem, entre outros, os programas BPC (Benefícios de Prestação Continuada), SAC (Serviços de Ação Continuada), Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e, acima de tudo, o Bolsa-Família.

Somem-se a isso os aumentos reais do salário mínimo e a dos benefícios concedidos pela Previdência (de 14,5 milhões para 21,2 milhões de pessoas). E por aí.

[A propósito, também numa matéria original, a Folha mostra como a expansão do Bolsa-Família nos últimos três anos tem feito diminuir o número de sem-terra acampados em propriedades ocupadas.]

O Estado chamou a matéria num tijolinho de oito linhas de coluna, na primeira página. Pela importância literalmente histórica desse prolongado período de investimentos sociais em alta, que produzem uma formidável reação em cadeia, e pelo acesso exclusivo do jornal ao estudo do Ipea, que renderia uma pauta mais ambiciosa, o assunto merecia a manchete deste domingo – em vez dos truques das companhias aéreas para burlar a proibição de vôos em Congonhas para cidades a mais de 1000 km de distância.

A reportagem:

“Os gastos do governo federal com programas e ações sociais estão crescendo de forma consistente há mais de dez anos. Em algumas áreas, os valores aumentaram dez vezes no período de 1995 a 2005. É o caso do conjunto de programas englobados na chamada assistência social – que inclui o pagamento dos benefícios de prestação continuada (BPC), do Programa Bolsa-Família, dos serviços de ação continuada (SAC) e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

Em 1995, o governo destinava 0,08% do Produto Interno Bruto (PIB) para esses benefícios assistenciais; em 2005, eles já representavam 0,83%. Em termos absolutos, a variação foi de R$ 1,3 bilhão para R$ 18 bilhões para a área.

Esses números fazem parte de um boletim que deve ser lançado oficialmente nos próximos dias pelo setor de estudos sociais do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), sob a coordenação do economista Jorge Abrahão. A publicação deixa claro que, embora as discussões públicas dos últimos anos tenham se concentrado no Bolsa-Família, criado em 2004, a partir de junção de quatro programas já existentes, os gastos estão encorpando significativamente desde 1995 – com a regulamentação de direitos previstos na Constituição de 1988.

Um dos casos que mais chamam a atenção é o benefício de prestação continuada, destinado a garantir uma renda aos indivíduos que, por velhice ou incapacidade, estão fora do mercado de trabalho, sem renda familiar nem acesso aos benefícios da Previdência Social. Pela Constituição, qualquer pessoa nessas condições, que demonstre ter renda inferior a 1/4 do salário mínimo, pode requerer o benefício. Passa a receber um salário mínimo por mês – quantia muito superior à do Bolsa-Família, cujos pagamentos variam de R$ 60 a R$ 120.

Em 1995, o número de atendidos pela prestação continuada era de 1,2 milhão. Em 2005, chegou a 2,8 milhões. São pessoas localizadas no conjunto mais pobre da população idosa, a partir de 65 anos (esse limite tinha sido fixado inicialmente em 70, depois foi reduzido para 67 e, finalmente, para 65).

O Ipea divide as áreas de atuação social em oito grupos: Previdência Social, benefícios a servidores públicos federais, emprego e defesa do trabalhador, desenvolvimento agrário, assistência social, alimentação e nutrição, saúde e educação. No conjunto, consomem algo próximo de 14% do PIB (em 1995 o índice foi de 11,25%).

Nesse conjunto, os programas que mais cresceram – em termos de gastos – foram os de transferência de renda. Mas todos passaram por significativas mudanças entre 1995 a 2005, o período analisado pelo boletim do instituto.

Podem ser citados como exemplo o número de benefícios concedidos pela Previdência, que passou de 14,5 milhões para 21,2 milhões ; a quantidade de merendas escolares servidas anualmente, de 4,6 bilhões para 7,3 bilhões; a compra anual de livros didáticos, de 57 milhões para 120 milhões de volumes; e o programa de saúde da família, que tinha 724 equipes, espalhadas por 150 municípios, e passou a ter 30 mil equipes, em 5 mil municípios.

Em entrevista ao Estado, o economista Jorge Abrahão qualificou como expressiva a elevação dos gastos públicos na área social. Também disse que eles ajudam a empurrar economias locais, de forma direta e indireta.

“O gasto social se transforma em consumo, especialmente de alimentos, o que ajuda a as economias locais”, assinalou. “Por outro lado, os investimentos na ampliação da rede de ensino e de saúde pública geram empregos que também alimentam as economias locais: com salários de professores, de especialistas na área de saúde, que ficam nas cidades onde trabalham.”

O economista observou ainda que os programas estão provocando a monetarização da economia nas regiões mais pobres, onde antes quase não via dinheiro. “Há mais circulação de moeda”, assinalou. “Em alguns municípios, o que uma família recebe por mês com Bolsa-Família corresponde ao que recebia num ano fazendo pequenos biscates. Isso dinamiza a economia. Vale notar também que parte do benefício retorna ao Estado, porque o beneficiado paga imposto quando consome, quando compra alimentos ou qualquer outro produto. Afinal, os produtos que eles consomem não são isentos de impostos”, completou.

A recuperação do valor do salário mínimo em tempos recentes também teve impacto sobre os programas sociais, segundo Abrahão. Muitos benefícios da assistência social são regulados pelo mínimo e 14 milhões dos 21 milhões de previdenciários recebem esse salário. Os gastos são puxados principalmente pelas áreas de Previdência e de assistência social.”