Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fica. Não fica. Sai. Não sai

O jogo, como se diz, só termina quando acaba – e há jogos que não se sabe quando acabam.

Por isso considerei ontem de ‘alto risco’ o gênero de jornalismo martelo-batido, que dá por líquido e certo o que, por definição, é gasoso e incerto – como o jogo da política. E por isso citei o dito mineiro que já virou clichê sobre a semelhança entre a política e as núvens.

Falo, naturalmente, do destino do ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Nos últimos 15 dias, desde a entrevista em que a sua homóloga da Casa Civil, Dilma Roussef, desdenhou como ‘rudimentar’ o plano de ajuste fiscal de longo prazo que é a menina dos olhos da equipe de Palocci, o noticiário sobre o futuro do homem virou uma montanha-russa. Fica. Não fica. Sai. Não sai.

Fica porque, ao contrário do que disse no Senado, aceitará moderar o arrocho fiscal, na teoria e na prática.

Não fica porque se convenceu de que, pela desaceleração da economia, pela aproximação do ano eleitoral e pela erosão da popularidade de Lula, virá gastança por aí.

Não sai porque, sem o escudo da condição de ministro, estará aberto o caminho mais fácil para ser processado pelo que dizem que fez quando prefeito de Ribeirão Preto.

Sai porque Lula deixou claro que ele é que é o responsável pela política econômica, e não quem tem a responsabilidade de executá-la.

E assim, ad infinitum, para justificar cada previsão.

Não quero dizer com isso que a mídia se comporta como aqueles teólogos da Idade Média que viviam discutindo, com base nos textos sagrados e nos filósofos da Antiguidade, quantos dentes tem um cavalo – e escorraçaram o pobre do camponês iletrado que lhes sugerira que simplesmente abrissem a boca do bicho e contassem. Isto é, deixassem de especulação e fossem aos fatos.

O problema é que, em política, o número de dentes dos cavalos – o fato – muda conforme as circunstâncias. O problema do jornalismo é engolir a tentação de dar por definido o que ainda definido não está, pela simples razão de que os envolvidos ou não sabem o que querem, ou sabem o que querem mas não sabem como chegar lá – e, por uma coisa ou outra, plantam verde para colher maduro.

É um dos ossos do ofício. Churchill já dizia que a arte de fazer previsões consiste em fazê-las e depois explicar por que deram errado.

Pior é quando as previsões se baseiam menos nos fatos, tais quais pareciam quando foram apurados, do que em opiniões muitas vezes baseadas em pré-julgamentos. Tipo: sendo fulano quem é, ele só poderá agir de um jeito. E isso em se tratando de políticos!

Uma coisa é ouvir uma fonte, supostamente bem informada, como um ‘colaborador próximo’ do presidente e escrever que ‘o destino de Palocci está selado’ (Folha de hoje). Outra coisa é deduzir, sem levar em conta cuidadosamente todas as variáveis em jogo, que ‘Lula fez a sua escolha’ (Estado de sábado).

Jornalistas de unhas mais pontudas não gostam de textos cheios de ‘por um lado’ e ‘por outro lado’. Principalmente quando acham que descobriram a verdade – e porque afirmações categóricas vendem mais do que o seu contrário. Ou quando se acham donos da verdade.

Depois dizem que…

Depois dizem os petistas que a mídia é injusta com Lula quando se recusa a acreditar quando ele diz que não sabia do que os seus companheiros faziam – ou quando dizem que ele não sabe mesmo porque não lhe convinha saber.

Eis o que teria dito a Palocci sobre os rumores da sua demissão: ‘Eu não sei de onde está saindo tanta fofoca de que você vai sair.’ (Do Estado de hoje). Podem apostar que o ministro fingiu acreditar.

Depois dizem os jornalistas que os petistas são injustos com eles quando os acusam de terem preconceitos contra o presidente.

‘Em menos de um mandato, o presidente-operário conseguiu dividir o Brasil ao meio’ [também do Estado de hoje, a propósito da pesquisa segundo a qual 47% dos brasileiros aprovam o desempenho de Lula e 44% reprovam (números arredondados)]. O que pode estar dividindo as opiniões é a conduta do presidente – e ponto. A sua origem operária, no caso, parece irrelevante.

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