Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha e Veja: duas entrevistas, dois procedimentos

Duas entrevistas pingue-pongue deste final de semana merecem registro: a do candidato à Presidência da República pelo PSDB, Geraldo Alckmin, na Veja; e a do secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Filho, na Folha de S.Paulo de hoje.

Na primeira, o conteúdo previsível. Pouca exploração sobre idéias do candidato sobre sua plataforma de governo, com a abordagem de apenas dois pontos – repressão ao MST e política de relações exteriores – e muito lero-lero sobre as dificuldades que a candidatura de Alckmin enfrenta para decolar. A baixa mobilização em torno do candidato, por exemplo, é resumida na ‘falha parcial’ deste início de campanha, mas não se lê palavra sobre o fato de que três dos cinco eleitores do colégio eleitoral tucano – Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves e José Serra – não compareceram à cerimônia que selou a parceria do PSDB-PFL para a disputa à Presidência da República, ocorrida na quarta-feira passada. Detalhe: o destaque da cerimônia em todos os jornais foi justamente a ausência dos dirigentes tucanos, com avaliações posteriores nas colunas políticas sobre a desunião do partido em torno da candidatura Alckmin. Se a omissão se justifica porque a entrevista foi feita antes das ausências que foram notícia, faltou dizer ao leitor.

Várias questões incômodas, é verdade, são abordadas pela repórter Thaís Oyama – mas sem encostar o candidato na parede. Está lá o caso dos 300 vestidos doados à mulher do candidato, Maria Lúcia Alckmin, durante os anos em que Alckmin governou São Paulo (a revista não traz o número das doações), mas não as irregularidades na distribuição de publicidade da Nossa Caixa, que ocupou mais espaço nos jornais do que o caso dos vestidos. Também passou batida a revelação da Folha de S.Paulo, de 24 de janeiro passado, de que a corretora de valores Quest foi escolhida – sem licitação – para gerir um novo fundo de investimentos da Nossa Caixa. O dono da Quest vem a ser o principal assessor econômico de Alckmin para a campanha, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que também se encontrava na presidência do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico), durante a privatização das telecomunicações. No dia seguinte à publicação da notícia, a corretora Quest respondeu à Folha que foi escolhida por ‘processo seletivo’ – e todos os jornais aceitaram. 

Também está lá, na entrevista, que Alckmin está ciente de que não chegará a lugar algum se centrar sua campanha em críticas ao governo Lula. ‘Nunca vi ninguém ganhar eleição falando mal dos outros’, diz ele, logo na primeira parte do diálogo. Mas a revista deixa-se trair pelo estilo, e presta-lhe desserviço no título ‘Lula é um cara-de-pau’.

A entrevista do secretário Saulo de Castro Filho, na Folha, feita por Renata Lo Prete, é a antítese da trazida pela revista. Em duas páginas, fruto de sete horas de conversa, o pingue-pongue finalmente traz algo mais do que a guerra de egos entre Saulo Ramos e o ex-secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, para tentar explicar o quê aconteceu. ‘Houve divergências? Sim’, ele diz, à pergunta da repórter Renata Lo Prete sobre as ‘concepções divergentes’ apontadas pelo ex-colega Furukawa, na despedida do cargo. ‘Era vaga toda semana, aquele estresse, às vezes tinha, às vezes não. O fato é que ele tinha de se preparar para receber mais. Essa era a missão, que às vezes ele não conseguia cumprir. E a nós cabia pressionar: vamos lá, senão não anda. É mais ou menos como numa empresa’. (…).

As duas páginas de entrevista merecem leitura na íntegra, principalmente por conta da guerra intestina que ocorre entre grupos de promotores públicos de São Paulo. A imprensa é citada nos seguintes trechos da entrevista:

FOLHA – O ex-secretário se queixava de não contar com ajuda suficiente da polícia para sufocar o PCC.
ABREU FILHO – Só quem tem contato com o preso sabe de fato o que está acontecendo dentro do sistema. Você sabe o que o Marcola está fazendo neste exato momento? Eu não. Se o diretor de lá não me contar, não saberei. Mas, se ele filma e vaza para o ‘Fantástico’, o problema não é meu. Não que eu não me preocupe com isso, mas o meu foco é outro. Eu não posso hoje ter um foco nas políticas sócio-educativas da Febem. Gostaria muito que funcionassem. Eu até viabilizo. A Berenice (Gianella, presidente da Febem), ligada ao Nagashi, não tem a menor reclamação da nossa conduta. Eu me lembro da época do Alexandre de Moraes na Febem, que fez pampeiro lá, virou aquilo de ponta-cabeça. Para destruir bastam dois segundos. Mas agora para consertar é um problema, notadamente quando você quebra a corporação, porque você depende deles.

(…)

FOLHA – O que pesa mais: as necessidades da administração estadual ou a disputa interna no Ministério Público?
ABREU FILHO – A corporação tem uma lógica própria. E, para sobreviver, ela acaba tendo que demonstrar um tipo de ação. Estamos vivendo isso. O que está em curso? Uma convergência de vontades para buscar a verdade? Ou todos pegando papel, atrapalhando o trabalho da polícia, em busca do holofote? Achei engraçado quando o procurador-geral falou: ‘Se não obedecer o prazo de 72 horas é crime de desobediência’. Aí um panaca apareceu na televisão e disse que o secretário da Segurança corria o risco de ser preso. Não existe crime de desobediência para funcionário público, e o procurador-geral sabe disso. Eu como o Código Penal se alguém achar isso.

(…)

FOLHA – Por que proibir a divulgação da lista de mortos pela polícia?
ABREU FILHO – Essa bendita lista, que virou um folclore, nós não tínhamos a menor condição de divulgá-la de uma forma séria. A imprensa hoje estaria aqui dizendo: secretário, o sr. carimbou 30 caras como sendo do PCC, e eles não são. Descobre-se que um morreu porque brigou com um conhecido, tomou um tiro, deu entrada no IML naquele final de semana e foi parar na lista. Aí sim poderiam me chamar de irresponsável. Segundo: eu não posso divulgar isso enquanto determinadas investigações estiverem em curso. O comparsa desse aqui [mostra a foto de um dos mortos] estava no indulto. Se mostro o cara, não pegamos a quadrilha. Outro dia ouvi um especialista de plantão: ‘a esta altura os bandidos já sabem quem morreu’. Como é que sabem? Prendemos 130 numa noite e meia. ‘Ah, saiu chutando, prendendo todo mundo?’ Não, tanto que os juízes não soltaram. Três, quatro meses atrás, nós prendemos, depois de investigação com grampo telefônico, o coordenador que cuidava de 40 presídios no interior. Vendia transferências por R$ 10 mil. Tinha de ter contato antes? Para quem? Investigação tem de ser secreta. Contar para o cara que amanhã ele vai ser preso?