Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Gastança com servidor em ano eleitoral. Gazeta responde pela honesta exceção

O canto contra o gasto público, principalmente contra o aumento do aumento de gastos do governo federal com sua folha de pagamento, vem se repetindo há dias. Hoje, o assunto expande-se em coro por quase todos grandes jornais, com a honesta exceção da Gazeta Mercantil que, apesar de também criticar ‘a bondade de boca-de-urna’ em editorial, mostra, em reportagem à parte, recorre à história recente para dizer, sozinha, que não se trata propriamente de uma novidade. Mais ainda: a reportagem da Gazeta Mercantil desmente a do Correio Braziliense, conforme se destaca abaixo com os trechos em conflito sublinhados.

Por ordem alfabética e cronológica, os jornais trouxeram o seguinte:

Ontem, a Folha de S.Paulo, na reportagem ‘Lula deve gastar R$ 3,5 bi com reajustes’, sob a rubrica ‘ELEIÇÕES 2006 / MÁQUINA PÚBLICA’, pôde-se ler que:

‘Em ano eleitoral, a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva elaborou pacote de aumento para o funcionalismo público, que deve representar gasto extra na folha de pessoal da União de R$ 3,5 bilhões, beneficiando mais de 1,3 milhão de servidores do Executivo, entre funcionários civis e militares na ativa e aposentados. (…) Ao todo, só por essa medida, serão beneficiados 160 mil funcionários, sob impacto de R$ 1,4 bilhão neste ano e R$ 1,6 bilhão em 2007. Além dessa MP, outras cinco devem ser editadas nos próximos dias, o que vai representar o mais amplo aumento de salários dos servidores no mandato petista’.

Hoje, o Correio Braziliense traz o editorial ‘Na undécima hora’, dizendo que:

‘Era agora ou nunca. No segundo semestre, último da atual gestão, a Lei Eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal impediriam a concessão de aumento salarial ao funcionalismo. Daí o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se apressar. Começou a tirar da gaveta uma série de medidas provisórias para reajustar salários na máquina administrativa. Seis MPs serão editadas em 15 dias, implicando despesa adicional com a folha de pagamento entre R$ 3,5 bilhões e R$ 3,8 bilhões.

‘Trata-se de reação tardia. Depois de penar durante os oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso — com salários praticamente congelados (apenas houve aumentos pontuais, para carreiras de Estado) e empregos minguando com as privatizações e a terceirização de serviços —, os servidores federais apostavam no ex-metalúrgico e líder sindical para repor as perdas e recuperar o prestígio. Mas a categoria logo percebeu que não teria vida fácil. Em 2004, fez 31 greves. No ano passado, 34. Não teve tempo de celebrar o êxito relativo obtido nas negociações. Ao contrário. Frustrou-se logo, ao perceber que o governo não cumpria os acordos.’

A Gazeta Mercantil acrescenta, no editorial ‘A bondade de boca-de-urna’ que

‘Anteontem, Medida Provisória beneficiou sete categorias, com aumentos entre 5% e 20%. Os docentes do ensino superior federal foram aquinhoados com bondade especial e receberam aumento médio de 50%, embora os professores de ensino fundamental e médio federal acabassem com apenas 12% de reajuste.
Os funcionários do Banco Central contentaram-se com os 10% que reivindicavam e os fiscais agropecuários aumentaram o contracheque em 15%. Os funcionários do Departamento de Auditoria do Sistema Único de Saúde (SUS) receberam 5%, dados como gratificação.’

‘O custo dessas concessões, que atingem 160 mil funcionários, será de R$ 1,4 bilhão. No total, concedidos todos os aumentos, o governo arcará com carga extra orçamentária de R$ 3,4 bilhões.’
‘As bondades devem incluir mais cinco MP beneficiando a Polícia Federal, os servidores do IBGE e técnicos dos ministérios do Trabalho, da Saúde e da Previdência, reajustando salário de outros 220 mil funcionários. Com os benefícios, o Palácio do Planalto mantém a expectativa de completar 29% de aumento para os funcionários ao longo do mandato do presidente Lula, aproximadamente a inflação acumulada no período.’

(…)
‘Os recursos gastos com o ‘presente salarial’ dado aos funcionários podem representar sérias dificuldades para as combalidas contas públicas. Por exemplo, os recursos prometidos para o Projeto Piloto de Investimento (PPI) não foram liberados. PPI é o acordo negociado entre o governo e o Fundo Monetário Internacional para exclusão de certos investimentos em infra-estrutura do cálculo do superávit.’
‘Ao longo do mandato de Lula, o governo federal contratou, por concurso, 82 mil novos funcionários, aumento de 15,6% no total de servidores ativos. Um terço destes cargos pertencia às atividades que foram terceirizadas em governos anteriores. Esta política de recursos humanos pode até ser justificada. O que é de difícil explicação é a bondade de boca-de-urna, que mais desrespeita do que beneficia o funcionalismo público’.

O Estado de S.Paulo abre espaço em seu editorial ‘O salário do voto’, para dizer que:

‘Assim como a legislação eleitoral impõe severas limitações às transferências de recursos entre os entes federativos, notadamente da União para Estados e municípios, nos três meses que precedem as eleições nacionais, a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe aumentos de gastos com o funcionalismo nos seis meses finais do mandato dos governantes. Isso explica o que o presidente Lula fez nesta terça-feira, a pouco mais de quatro meses do pleito do qual, sem rubor nas faces, continua afirmando não saber se participará. Por medida provisória e não por projeto de lei, precisamente em razão do calendário, o candidatíssimo à reeleição aumentou os salários de 160 mil servidores de 7 setores do Executivo, com efeitos retroativos em certos casos. Docentes do ensino superior, por exemplo, passam a ganhar 50% mais, em média’.
(…)
‘Não vai ficar nisso. O que a imprensa, com toda a razão, imediatamente passou a chamar de ‘pacote pré-eleitoral de bondades’ e o senador pefelista Antonio Carlos Magalhães, de ‘malandragem’ se expandirá até a data fatal de 30 de junho com a edição de 5 novas MPs para beneficiar diversas outras categorias. Em algumas áreas, os aumentos poderão beirar os 30%. Ao todo, terão os seus vencimentos majorados 1,3 milhão de funcionários civis e militares, na ativa ou aposentados. Computados os membros de suas famílias aptos a votar, tem-se um respeitável colégio eleitoral com cuja gratidão Lula decerto conta para liquidar a disputa no primeiro turno de 3 de outubro.’

No embalo, o mesmo O Estado de S.Paulo traz ainda a reportagem ‘Despesa com pessoal vai aumentar R$ 7 bi por ano’, assinada por Sérgio Gobetti, dizendo que:

‘Os reajustes de salário negociados e anunciados pelo governo para beneficiar os servidores do Executivo devem aumentar a despesa com pessoal da União em R$ 7,6 bilhões anuais. Se as reivindicações dos demais Poderes também forem atendidas, como pedem os chefes do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União (TCU), a conta sobe para R$ 11,2 bilhões – mais do que todo o investimento feito no ano passado pelo governo.’
‘No Orçamento da União para 2006, o governo já reservou R$ 5 bilhões para os reajustes, e esse gasto já foi programado pela equipe econômica ao divulgar há duas semanas o bloqueio de R$ 14,2 bilhões nas despesas de investimento e custeio. Ou seja, o reajuste não deve afetar a meta de superávit primário (economia para pagamento de juros), mas vai inibir o esperado salto nos investimentos.’

‘Em média, o governo Lula tem investido 25% a menos do que o de Fernando Henrique Cardoso, segundo estudo da assessoria técnica do PSDB. Desde que iniciou seu mandato, Lula tem esbarrado (às vezes voluntariamente) em obstáculos que inibem os investimentos: em 2003 foi a crise econômica, em 2004 o crescimento das despesas com o Bolsa Família, em 2005 o déficit da Previdência e, em 2006, o fantasma parece ser os gastos com pessoal.’
(…)
‘Neste ano eleitoral, o governo tenta se mostrar simpático com os servidores, mas nos três primeiros anos de gestão do PT o salário dos funcionários públicos do Executivo federal foi achatado, o que faz o reajuste de agora parecer maior.’

O Globo, mais incisivo, sobe um tom no editorial ‘Farra fiscal’, e completa:

‘A quase cinco meses do primeiro turno e a poucas semanas do esgotamento do prazo para a aprovação de gastos que possam ter fins político-eleitorais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começa a distribuir aumentos de salários para o funcionalismo à base de medidas provisórias, em evidente manobra eleitoreira. Até meados do mês, deverão ser assinadas MPs para beneficiar 37 categorias de servidores — uma conta para o contribuinte no valor de algo entre R$ 3,5 bilhões e R$ 3,8 bilhões anuais. A farra fiscal teve início terça-feira, quando uma primeira MP comprometeu R$ 1,39 bilhão do Orçamento em benefício de sete categorias.’

‘O gesto de agrado a uma das clientelas políticas do PT se soma a reajustes reais do salário-mínimo — de impacto desastroso nas finanças da Previdência — e ao aumento também acima da inflação dos benefícios dos aposentados e compõe um cenário preocupante para o quadro fiscal. A caneta do candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva imprime mais velocidade aos gastos públicos correntes, já em perigosa elevação há alguns anos, antes mesmo do atual governo.’

‘A novidade preocupante é a competência com que este governo tem acelerado as despesas correntes, a ponto de colocar em risco a meta de 4,25% do PIB do superávit primário, essencial para que a dívida interna seja mantida sob controle. O grande superávit de abril não atenua o pessimismo, pois em boa parte o resultado se deveu a fatores circunstanciais: um deles, o recebimento pelo Tesouro de dividendos de estatais.’

Todas as reportagens, portanto, conduzem para o comportamento irresponsável da Presidência da República, motivado unicamente por razões eleitoreiras, a ameaçar o equilíbrio das contas públicas.

A Gazeta Mercantil, no entanto, dissolve essa imagem ao situar a gastança do Executivo em anos eleitorais no tempo quando compara com as medidas anunciadas por Lula com as do último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, e lembra que a economia não mostrava os sinais de recuperação e crescimento como os apresentados ontem pelo IBGE.

A reportagem ‘Prática é usual em ano eleitoral’ lembra::

‘As despesas com o funcionalismo saltaram de R$ 71,9 bilhões em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, para R$ 105,1 bilhões em 2006, em valores nominais, de acordo com as últimas estimativas oficiais.’
‘Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), entretanto, esses números representam queda – de 5,34% para 4,99%. O recorde histórico de 5,34% do PIB foi registrado no último ano do governo tucano por causa dos reajustes quase indiscriminados concedidos no final do governo FHC.’


‘Prática semelhante, de aumento dos salários do funcionalismo público ao final do mandato, também foi adotada pelo ex-presidente Itamar Franco em 1994, quando deixou o Planalto.’
‘Em 1998, todavia, esses reajustes salariais foram moderados porque a reeleição de FHC estava praticamente garantida e o País estava à beira da crise cambial.

‘Os reajustes concedidos a quatro meses da eleição em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é forte candidato a um segundo mandato – com pesquisas indicando até uma vitória já no primeiro turno – não prejudica, porém, a meta mínima de superávit primário das contas públicas neste ano, de 4,25% do PIB’.
‘A economia de 4,84% do PIB no ano passado para pagamento dos juros da dívida pública, contudo, muito dificilmente será repetida por causa da evolução crescente dos gastos de pessoal e outros, com a manutenção da máquina administrativa do governo federal.’