Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Globo e SBT fazem campanha oblíqua

O Ministério da Justiça lança na semana que vem, segundo sua Assessoria de Comunicação Social, portaria que oficializa o padrão de classificação indicativa (faixa de idade recomendada) para programação de televisão aberta. O responsável pelo texto é o diretor do Departamento de Classificação, Títulos e Qualificação do ministério, José Eduardo Romão.


A Rede Globo iniciou há alguns dias a exibição de um anúncio institucional que parece ser uma “vacina” contra possíveis conseqüências da portaria. [Nota em 2/2: vários leitores advertem que a mesma campanha é veiculada no SBT. Por isso modifiquei o título do tópico, que era ‘Globo faz campanha oblíqua’. ] Faz uma espécie de crítica não declarada à censura.


Reproduzo os comentários feitos no programa de rádio de hoje (31/1) e em adendo a ele.


A Globo fala aos pais [o título aqui deveria conter também o SBT]


Uma portaria sobre classificação indicativa de programas de televisão aberta sai na semana que vem, depois de três anos de discussão pública. A classificação já existe, mas hoje cada emissora adota uma maneira própria de indicar aos pais a idade recomendada pelo Ministério da Justiça. Há dias a Globo martela anúncio institucional em que uma criança tem os olhos vendados, como se estivesse sendo impedida de ver, e o locutor tece loas ao discernimento dos pais.


Eis o texto:


Todo programa de TV aberta tem uma classificação por idade. Mas o que conta mesmo é a sua opinião. Ninguém melhor do que os pais para saber o que os seus filhos devem assistir. A televisão brasileira oferece informação, diversão e entretenimento de qualidade e de graça. Os limites é você quem dá. Cidadania, a gente vê por aqui.”


Ontem, para capturar essa fala, passei algum tempo diante da Globo em horário vespertino. Vi muita coisa que eu não exibiria para crianças pequenas. Por exemplo, chamadas para programas adultos. Por exemplo, o noticiário que irrompe entre a Sessão da Tarde (onde alguns diálogos hão de ter provocado no mínimo perplexidade em crianças; Robin Williams, protagonista de Uma Babá Quase Perfeita, diz para o namorado de sua ex-mulher que ela tem em casa ‘um vibrador que você não faz idéia’, ou algo parecido, e, em seguida, como o interlocutor expressasse estranheza em face do diálogo, explicita coisas como ‘afogar o ganso’ e assemelhadas); por exemplo, propagandas dirigidas a crianças, protagonizadas por crianças para comover adultos e para comover crianças.


É claro que a classificação indicativa só funciona se o pai ou responsável levá-la em consideração. Ainda não existe televisão com câmera para vigiar quem assiste à programação (poderá haver, algum dia, mas será usada para entender o comportamento do público e modelar o marketing). Estaria a Globo chovendo no molhado? Não. Quando se combina a fala em ‘off‘ com as imagens a sugestão é de que cabe aos pais remover a censura que venda a visão de seus filhos. (Ver imagens abaixo.) Ou seja: a Globo já antecipa uma campanha ‘anticensura’.


Dizer, de modo genérico, que a televisão aberta ‘oferece informação, diversão e entretenimento de qualidade’ soa como piada. Pior. É mentira.


Finalmente, é preciso reiterar que a televisão aberta não é ‘de graça’. O telespectador, como o leitor, o ouvinte ou o internauta, dá seu tempo, vendido a patrocinadores que embutem o custo da publicidade no preço dos produtos. Além disso, ainda não tenho notícia de distribuição gratuita de aparelhos de televisão, nem me consta que as emissoras paguem a conta de luz dos telespectadores.



Portaria quer padronizar indicações




Como se sabe, há motivos para suspicácia em relação a intenções censórias de setores do governo. O Observatório da Imprensa aborda essa questão desde pelo menos 2005. Isso poderá criar uma base de aceitação, entre setores mais politizados da audiência, para a mensagem subliminar do anúncio da Rede Globo.


Mas o Ministério da Justiça afirma que não se trata de censura. A Assessoria de Comunicação diz que a classificação já existe. É feita por equipes de psicólogos, pedagogos, profissionais de comunicação e advogados. Grupos de voluntários são mobilizados pelo ministério quando não há consenso ou quando os produtores pedem reclassificação. Quando algo é considerado atentatório à lei, não é o Ministério da Justiça que move ação contra o responsável, é o Ministério Público. Como ocorreu no caso de um programa do humorista João Cléber tirado do ar.


A portaria tratará de símbolos e maneiras de exibi-los. Segundo a Assessoria, vem sendo discutida há três anos com as emissoras de televisão. Houve consultas públicas. O site do Ministério da Justiça recebeu 23 mil visitas. O documento legal vai oficializar o Manual de Classificação para as TVs abertas. Hoje cada emissora faz do jeito que entende. A indicação só aparece no começo da exibição.


Apenas um aviso inicial


Essa prática de mostrar o aviso só no início já deu muito rolo na história das comunicações. Foi o caso do célebre programa de rádio A Guerra dos Mundos, dirigido por Orson Welles em outubro de 1938. Reproduzo trecho de texto de Gisela Ortriwano publicado no site do Instituto Gutenberg:


A CBS calculou na época que o programa foi ouvido por cerca de seis milhões de pessoas, das quais metade passaram a sintonizá-lo quando já havia começado, perdendo a introdução que informava tratar-se do radioteatro semanal. Pelo menos 1,2 milhão tomaram a dramatização como fato, acreditando que estavam mesmo acompanhando uma reportagem extraordinária. E, desses, meio milhão tiveram certeza de que o perigo era iminente, entrando em pânico e agindo de forma a confirmar os fatos que estavam sendo narrados: sobrecarga de linhas telefônicas interrompendo realmente as comunicações, aglomerações nas ruas, congestionamentos de trânsito provocados por ouvintes apavorados tentando fugir do perigo que lhes parecia real, etc. O medo paralisou três cidades. Pânico ocorreu principalmente em localidades próximas a Nova Jersey, de onde a CBS emitia e Welles situou sua história. Houve fuga em massa e reações desesperadas de moradores de Newark e Nova York (além de Nova Jersey), que sofreram a invasão virtual dos marcianos da história”.


Trata-se, é claro, de um caso extremo. Tanto que ficou na história da comunicação. A portaria do Ministério da Justiça certamente não vai obrigar as emissoras a colocar um aviso permanente na tela.


Indicações positivas


A portaria deverá dar orientação também para TV fechada. Nesse caso, a classificação indicativa não é obrigatória. Mas hoje a única emissora que já segue os padrões do ministério é a MTV, segundo o ministério.


Em julho de 2006 o ministério lançou um manual e uma portaria destinados a cinema, jogos eletrônicos, jogos de interpretação (RPG) e diversões públicas (teatro, shows, espetáculos ao vivo). Permite o acesso de menores a filme não indicado desde que acompanhado por pai ou responsável, ou com autorização para ser acompanhado. Os próprios produtores podem fazer a classificação, até porque o Departamento de Classificação, Títulos e Qualificação não teria como verificar todas as obras ou eventos.


Na portaria do ano passado, uma novidade foi a indicação de “especialmente recomendado para crianças e adolescentes”, segundo critérios de promoção da paz, do respeito aos direitos humanos, da higiene, da solidariedade, e de valorização de obras de caráter regional.


Eis a lista das “obras especialmente recomendadas para crianças e jovens”:


1 – Título: Cocoricó – Casa da Fazenda
Produto: DVD
Produção: TV Cultura – Fundação Padre Anchieta
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa. Estímulo à sociabilidade infantil e ao desenvolvimento cognitivo da criança.
Tema: Amizade/Aventura/Informação


2 – Título: Cocoricó – Diferenças e Costumes
Produto: DVD
Produção: TV Cultura – Fundação Padre Anchieta
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – respeito à diferenças étnicas e sociais da pessoa. Estímulo à sociabilidade infantil e ao desenvolvimento cognitivo da criança.
Tema: Amizade/Aventura/Educativo.


3 – Título: Cocoricó – Saúde e Meio Ambiente
Produto: DVD
Produção: TV Cultura / Fundação Padre Anchieta
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Estímulo à sociabilidade infantil e ao desenvolvimento cognitivo da criança. Estímulo à consciência ambiental.
Tema: Amizade/Aventura/Informações ecológicas.


4 – Título: Cocoricó – Medo e Mistério
Produto: DVD
Produção: TV Cultura / Fundação Padre Anchieta
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Estímulo à sociabilidade infantil e ao desenvolvimento cognitivo da criança.
Tema: Amizade/Aventura.


5 – Título: Um Pé de Quê?
Produto: DVD (Fitas 1, 2 e 3)
Produção: Canal Futura / Pindorama Filmes
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Estímulo à sociabilidade infantil e ao desenvolvimento cognitivo da criança. Estímulo à consciência ambiental.
Tema: Amizade/Aventura/Informações ecológicas.


6 – Título: Toquinho no Mundo da Criança
Produto: DVD
Produção: Universal Music / Editora Delta
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Promoção do cancioneiro popular brasileiro destinado ao público infantil.
Tema: Musical/cultural.


7 – Título: Adriana Partimpim – O Show
Produto: DVD
Produção: Sonopress Ritmo da Amazônia Indústria e Comércio Fonográfico LTDA Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Promoção do cancioneiro popular brasileiro destinado ao público infantil. Valorização do universo lúdico infantil
Tema: Musical/cultural.


8 – Título: Programa Megafone!
Veiculação: Televisão
Exibição: TV Ceará (TV Cultura do estado do Ceará)
Produção: Encine (Núcleo Sócio Cultural de Arte Audiovisual)
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Regionalização da produção cultural e artística. Promoção do protagonismo infanto-juvenil.
Tema: Informativo/cultural/musical.


9 – Título: Câmara Ligada
Veiculação: Televisão
Exibição: TV Câmara
Produção: TV Câmara / ANDI / UNESCO / SESC
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Regionalização da produção cultural e artística. Promoção do protagonismo infanto-juvenil.
Tema: Informativo/cultural/musical.


10 – Título: Paz (Disco 1)
Produto: DVD
Produção: Charlotte Damgaard / Erin Wanner / Clive Juster / King Rollo
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Valorização do universo lúdico infantil. Estímulo à sociabilidade infantil
Tema: Amizade/aventura.


11 – Título: O Poço do Visconde e o Saci
Produto: DVD
Produção: Denise Garrido/ Ricardo Ottoboni
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Valorização do universo lúdico infantil/estímulo à cultura e ao conhecimento.
Tema: Aventura/educativo.


12 – Título: Um menino muito maluquinho (26 episódios)
Produto: DVD
Produção: TVE Brasil
Classificação: Especialmente Recomendado para Crianças e Adolescentes (Livre) – Respeito aos valores éticos e sociais da pessoa. Estímulo à sociabilidade infantil e ao desenvolvimento cognititvo da criança.
Tema: Aventura/educativo.


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Cobras e Lagartos reclassificada


A novela Cobras e Lagartos, da TV Globo, foi reclassificada pelo Ministério da Justiça, depois de sair do ar, em novembro, para idade mínima de 14 anos. Não poderá, por exemplo, ser exibida no programa vespertino Vale a Pena Ver de Novo.