Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornais e guerras

Em algumas situações erros ou má-fé da imprensa causam ou tendem a causar tragédias. Seria útil montar uma antologia desses casos. Aqui vão só dois exemplos.


A revista The Economist da semana passada (18/11/2006) resenha um livro sobre Nikita Khrushchov, o dirigente da União Soviética entre 1953 e 1964, publicado há pouco nos Estados Unidos (Khrushchev´s Cold War: The Inside Story of an American Adversary). Os autores, Aleksandr Fursenko e Timothy Naftali, dizem que Khrushchov seguia uma “lógica camponesa”: assuste bastante seu oponente e ele lhe dará o que você quer. Foi a propensão de Khrushchov a assumir o risco de uma guerra, avaliam eles, que acabou provocando sua queda.


Mas o que interessa aqui é que os autores relatam o modo como colunistas de jornais americanos tornaram mais aterrorizadora a Guerra Fria. “Repetiram e exageraram falsas alegações sobre o tamanho do arsenal de Khrushchov. O presidente americano, Dwight Eisenhower, sabia que os Estados Unidos tinham mais mísseis do que a União Soviética. Ainda assim, esse tipo de jornalismo criou um clamor público por mais mísseis e foi usado por executivos da indústria de armamentos para pressionar por compras”, escreve a revista.


E mais, diz a The Economist: o terror levou também a modalidades arriscadas de espionagem. Em maio de 1960, um avião espião foi abatido sobre a Rússia e seu piloto, Francis Gary Power, capturado. O preço do episódio foi o abandono, por Khrushchov, de conversações que teria em Paris com Eisenhower.


Como se sabe, pouco tempo depois, em outubro de 1962, a chamada Crise dos Mísseis em Cuba criou um dos momentos mais dramáticos da Guerra Fria. O presidente americano já era então John Kennedy.


Criminosa ilusão apaziguadora


Décadas antes, jornalistas ingleses haviam errado em sentido inverso. No seu livro sobre a Segunda Guerra Mundial (The Second World War, edição Penguin, abreviada), Winston Churchill mostra como, em 1936, a imprensa britânica – ele cita especificamente o Times e o Daily Mirror – “expressou sua crença na sinceridade das ofertas de [Adolf] Hitler de firmar um pacto de não-agressão” [com o Reino Unido].


O resultado, também se conhece bem, é que Hitler ganhou tempo para preparar a campanha militar fulminante que subjugou a Europa.


Churchill diz na introdução do livro que só considera válido ele, personagem dos acontecimentos, fazer no livro as críticas que havia feito na época. É para evitar a chamada “sabedoria da visão retrospectiva”, ou, expressão mais corrente no Brasil, evitar ser “engenheiro de obra pronta”. Ele havia, sim, criticado as ilusões a respeito do líder nazista. Na tribuna parlamentar e como jornalista. Mas era uma voz minoritária. Na tribuna e nos jornais.