Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo de alto risco em grande estilo

São apenas 13 linhas distribuídas em duas notas, na abertura da seção ‘Painel’ da Folha de hoje. A se confirmarem pelo menos as oito iniciais, o jornalismo de alto risco, típico de colunas de bastidores como aquela, merecerá uma recompensa à altura.

Pois ali se lê que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ‘está fora do governo’. Fonte? ‘Uma pessoa que esteve com Lula nas últimas 24 horas.’ A mesma pessoa ouviu do presidente que o senador Aloizio Mercadante ‘é o nome mais cotado para assumir’ o ministério.

[Aliás, se essa possibilidade se concretizar, significa que Lula já escolheu o seu candidato ao governo paulista em 2006. Candidato, não. Candidata: a ex-prefeita Marta Suplicy.]

Política é como uma núvem, etecetera e tal – e o doutor Palocci poderá, afinal, continuar no governo. Não se culpará a Folha se o presidente mudar de idéia. Mas, a julgar pela detalhada matéria ao lado das notas, assinada pelo repórter Kennedy Alencar, outro praticante do jornalismo de alto risco e que parece ser o mais ‘por dentro’ dos colegas que cobrem o Planalto, a situação de Palocci, ontem, estava mesmo para fim de jogo.

Alencar descreve, como se tivesse visto, um diálogo entre o presidente e o ministro, ontem à noite, na presença do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Foi uma conversa tão encharcada de diferenças que fica difícil imaginar como Palocci seguiria ministro, sem perder a face, se não retomar, como praticamente exigiu, o controle das decisões sobre o que fazer com o excesso da poupança do governo (superávit primário).

Lula quer gastar o que foi além dos 4,25% do PIB e não voltar a poupar mais do que isso. O superávit atual está por volta dos 6% do PIB. A diferença, em números absolutos, dá qualquer coisa como R$ 17 bilhões. Maná do céu em ano eleitoral.

Palocci discorda. Ele teria dito, segundo o repórter, que ‘nunca faltou verba para bons projetos e que a maioria das reivindicações dos ministros [pela liberação dos recursos alocados aos seus setores no Orçamento da União deste ano] é desculpa para ineficiência’.

Ainda segundo a matéria, ‘a conversa seguiu nesse tom até Lula pedir que o ministro esfriasse a cabeça para que voltassem a conversar em alguns dias’.

Mas com que cara ficaria Lula diante do PT, dos seus ministros e dos políticos no Congresso, se capitulasse diante de quem a mídia, lembrando-se dos tempos de Delfim Netto, se apressaria a entronizar como o novo ‘czar da economia’?

Talvez seja isso que falte nas análises políticas da imprensa sobre o contencioso que só à primeira vista é técnico, envolvendo Lula e o último remanescente do trio de ferro com que assumiu – José Dirceu e Luiz Gushiken eram os outros dois.

Trata-se de mostrar ao leitor como se estreitou a margem de manobras tanto do presidente como do ministro da Fazenda, a partir do momento em que o primeiro tentou emplacar o que cada vez mais foi ficando parecido com a proverbial quadradura do círculo – Palocci sem o paloccismo.

Palocci foi nesses três anos o embaixador plenipotenciário do governo junto ao Capital – a que a imprensa se refere todo dia pelo eufemismo ‘mercados’. E, desde as denúncias de corrupção, foi a última e aparentemente intransponível barreira entre o desejo da oposição de fazer picadinho do presidente e o próprio.

Não é que sem Palocci virá o impeachment. Isso é sonho de noiva do pefelê. Mas sem ele Lula vai apanhar feito gente grande até o segundo turno da sucessão.

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