Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista relata quadro cada vez mais difícil para mídia independente na Venezuela

O jornalista venezuelano Boris Muñoz, quer participou em São Paulo, em maio de 2006, do Fórum Folha de Jornalismo, vê na multa aplicada contra o jornal Tal Cual e o humorista Laureano Márquez, em fevereiro, um sinal de ofensiva do governo do presidente Hugo Chávez contra a imprensa independente na Venezuela.


Boris Muñoz foi editor da revista Nueva Sociedad e é professor universitário. Em entrevista ao Observatório da Imprensa, ele dá notícia de uma certa impotência dos jornalistas diante do quadro polarizado da batalha política que tem na mídia um terreno de combate.



Governo usa recursos legais contra a mídia


Eis a entrevista.


Quais são as dificuldades correntes para o exercício de um bom jornalismo em seu país?


Boris Muñoz – O mais relevante é que o governo continua usando recursos legais contra a mídia. Pela primeira vez um tribunal determinou a punição de um periódico por delito de opinião. Há três semanas, o Tal Cual, jornal político de considerável importância, recebeu uma multa de 200 milhões de bolívares, quase 100 mil dólares. Somada com a multa aplicada diretamente ao punido, o humorista Laureano Márquez, a punição chega a 130 mil dólares.


O jornal pode recorrer da decisão?


B.M. – O jornal organizou uma coleta de dinheiro. Recebeu muito mais do que o valor da multa. A estratégia é não pagar diretamente a multa, o que levaria ao esquecimento do assunto, mas fazer um depósito judicial e abrir um processo legal. Se levarmos em conta o caso do Tal Cual e que o presidente pessoalmente determinou que se revogue a concessão do canal de televisão RCTV – Radio Caracas Televisión –, encontramos um padrão de política de Estado contra os meios de comunicação.


O que Laureano Márquez escreveu?


B.M. – Um artigo no qual fazia uma paródia ligeira, não foi uma paródia pesada, mencionando a filha do presidente Chávez [Rosines, de 9 anos], a propósito da mudança de posição do cavalo no escudo de armas da Venezuela. [O cavalo branco estava virado para a direita de quem olha o escudo, com a cabeça voltada para trás; agora, seu corpo e sua cabeça estão virados para a esquerda.] Era uma conversa privada que o próprio presidente tornou pública. A menina disse: Se somos um país de esquerda, por que o cavalo olha para a direita? O artigo de Márquez era sobre o poder da filha do presidente na política nacional. Essa menção, sem que tenha havido qualquer tipo de agravo contra a menina, foi castigada por um tribunal.


Mídia desempenhou papel golpista


O atrito não é novo. Em 2002, quando houve a tentativa de depor Chávez mediante um golpe de Estado, boa parte dos meios de comunicação fizeram o papel de partidos políticos.


B.M. – Isso é real. É preciso haver medidas para regular a atividade política dos meios de comunicação. Estou de acordo com isso e creio que muitos outros jornalistas também, porque a mídia, nos últimos oito anos, e também anteriormente, teve um papel político ativo, que não lhe cabe.


O fechamento do canal RCTV [programado para maio, quando deveria ser renovada sua concessão] será um blecaute midiático, contra a população, contra o interesse público em geral. Esse é um fato.


Outro fato é que os canais privados de televisão, em sua maioria, embora não todos, participaram ativamente da tentativa de golpe de Estado contra o presidente Chávez.



Jornalistas estão marginalizados dos centros de decisão


Para onde se voltam os jornalistas independentes, preocupados com a evolução da questão democrática, os que não são nem governistas nem automaticamente ligados a esses meios de comunicação. Qual é a posição deles, que esperança têm?


B.M. – A posição dos jornalistas independentes, que não estão partidarizados nem a favor das empresas nem a favor do governo ou da oposição, é de muita preocupação. O maior problema é que como a mídia atua, digamos, defendendo interesses privados, não o interesse público pela informação, também é difícil encontrar onde debater a fundo o tema político da manipulação da mídia. Na quinta-feira passada [1/3] houve um protesto de jornalistas em Caracas para defender a liberdade de imprensa. É algo que começa a mobilizar as pessoas. O grande problema de fundo é que entre todos os meios que existem atualmente, os jornalistas estão marginalizados de qualquer tomada de posição, porque tanto os meios públicos como os privados devem cumprir a agenda das pessoas que decidem a política desses meios. Como atores sociais, os jornalistas não têm muita relevância.


TVs privadas têm maior audiência


Quem tem mais audiência, as emissoras de TV privadas ou as estatais?


B.M. – As emissoras de TV privadas, talvez devido à sua tradição e ao seu grau de profissionalismo, continuam tendo uma audiência muito maior. A audiência do canal oficial mais forte, o Canal 8, Venezuelana de Televisão, não supera 8%, frente a entre 32% e 37% da RCTV. O problema se complica porque é um confronto entre televisão privada e estatal. Outra questão é que temos uma televisão estatal ruim. Se tivéssemos uma televisão estatal de boa qualidade, talvez se pudesse discutir o fechamento de um canal privado ruim. Mas não fechar porque ele é “golpista”, sem sequer mover o devido processo legal para determinar as responsabilidades e qual seria o castigo apropriado para quem esteve por trás do blecaute midiático [em 2002].


Cisneros fez acordo com Chávez


Qual é a posição de Gustavo Cisneros, o mais importante empresário de mídia da Venezuela?


B.M. – Está em santa paz com Hugo Chávez. Eles têm vínculos muito estreitos. Cisneros decidiu não se colocar mais contra Chávez. Segundo se especula entre pessoas próximas dos dois, eles fizeram um arreglo antes do referendo de 2004 [que permitiu a prorrogação da permanência de Chávez no poder] para que Chávez não toque nos interesses de Cisneros na Venezuela. Entre eles não há nenhum problema, o que quer dizer que Gustavo Cisneros é uma pessoa sem nenhum interesse altruístico, totalmente guiada pelos interesses econômicos. Nenhum interesse cidadão move Gustavo Cisneros. Coisa que já sabíamos, aliás. Desde 2004, Venevisión, o canal de Cisneros, parece uma agência de notícias do governo.


Petkoff, oposição de esquerda


Qual é a posição de Teodoro Petkoff [criador do Tal Cual e ex-candidato a presidente da República]?


B.M. – Ele é um político de oposição, mas não pode ser confundido com a oposição tradicional. Teve sempre uma posição mais vinculada com o sentimento geral do que com a oposição tradicional. Por isso se sente que essa medida contra Tal Cual é uma medida contra ele, como porta-voz de um setor da oposição.


Uma oposição mais à esquerda?


B.M. – Digamos que Teodoro Petkoff defende uma posição de esquerda democrática, social-democrata. Uma oposição que tem sido mais consistente, embora ele tenha sido um dos políticos mais ativos da oposição, mas sempre mantendo uma linha de esquerda.



O Sindicato dos Jornalistas atua, existem entidades representativas da chamada sociedade civil com algum peso?


B.M. – Há o Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Imprensa, dirigido pelo jornalista Gregório Salazar. É o órgão mais ativo na defesa dos direitos dos jornalistas. Mas não tem muita relevância, para ser honesto. E não há nenhum órgão de defesa dos jornalistas que tenha neste momento a capacidade de influir na opinião pública, e muito menos nas decisões políticas.


Existem entidades da sociedade civil, mas nenhuma instituição que tenha a capacidade de mobilizar a opinião pública. Existem o Instituto Prensa y Sociedad e uma ONG chamada Ciudadania Activa. Esses grupos se encarregaram de promover o debate sobre a liberdade de imprensa durante estes anos e produziram relatórios muito importantes sobre os desequilíbrios informativos, a manipulação da informação, tanto pelo oficialismo quanto pelos meios privados. Esses grupos são muito importantes porque criaram material para debater, para informar-nos. Mas têm um raio de ação limitado e mais associativo, com entrada restrita na sociedade.


Jornalista imprensados entre oficialismo e oposição sem quartel


Uma situação difícil…


B.M. – É uma situação muito difícil porque qualquer ponto de vista crítico, tanto em relação aos meios privados como em relação às políticas de comunicação do governo costumam ser desqualificados como se fossem uma crítica negativa ou como se fossem simplesmente uma mentira, como se fossem um ataque político e não como uma opinião profissional. E na verdade há muito material para se fazer uma avaliação mais objetiva, dentro do que se pode considerar objetivo.


Atualmente, o que estamos vendo? Que o governo tem cada vez mais meios de comunicação, tanto no rádio como na televisão, meios utilizados como canais de ideologia. Bem, isso também fazem os meios privados. Mas o fato concreto é que o governo tem cada vez mais meios e já está chegando quase a um oligopólio dos meios de comunicação, de informação e de entretenimento.
Vejamos concretamente o caso da televisão. Atualmente, o governo possui quatro canais de TV aberta, uns locais, outros nacionais. Com a RCTV, vão ter cinco canais. E a televisão privada tem só quatro canais. O governo tem uma máquina de comunicação. E isso se repete no rádio. E agora há instrumentos legais que vão limitar a propriedade dos meios de comunicação: um capitalista privado não poderá ter mais do que duas estações de rádio ou de televisão. O que não é um absurdo nem negativo em si mesmo, mas que, no contexto de um maior controle midiático por parte do governo…


Os jornalistas independentes estão imprensados.


B.M. – Ficam num ambiente hostil, dividido entre os meios privados, que defendem os interesses desses meios, e do setor oficial, totalmente impermeável à crítica. Um clima muito tenso. Mas, seja como for, conseguiremos algo, mantendo o espírito de denúncia contra qualquer absurdo por parte do governo ou da oposição.



Ler também “O jornalismo na guerra midiática”, de Boris Muñoz (em espanhol).


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Decomposição política da Venezuela antecede Chávez”.