Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Justiça contesta Abert sobre classificação indicativa

O diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus/SNJ) do Ministério da Justiça, José Eduardo Romão, contesta manifestação enviada ao Observatório da Imprensa pelo consultor da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão Antonio Cláudio Netto, em nome da Abert, a respeito do tópico “Mainardi, um estilo à procura de idéias”. “A Constituição diz que com todas as letras que é dever do Estado, da União, promover a classificação indicativa”, afirma. “A Constituição diz que, além do Estado, estão obrigados à proteção da criança e do adolescente a sociedade – e aqui eu vejo as emissoras, o Estado e o Ministério Público – e a família. Se as emissoras dizem que são responsáveis, elas poderão fazer a autoclassificação, que será reconhecida – vou usar expressão que a portaria não traz –, homologada pelo Ministério da Justiça. As emissoras são responsáveis como concessionárias de um serviço público. Nós reconhecemos esta responsabilidade e presumimos a boa-fé dessas emissoras”.


Clique aqui para ler o tópico e o texto de Netto.


O que o senhor diz a respeito da manifestação da Abert?


José Eduardo Romão – A Constituição diz com todas as letras que é dever do Estado, da União, promover a classificação indicativa. Nós não podemos delegar para ninguém. O Estado não pode renunciar, não pode fazer de conta que faz classificação indicativa para delegar às entidades que, pela auto-regulação, fariam esse trabalho. Não se pode admitir isso. O que a Constituição nos autoriza, com base no artigo 227, que trata da proteção à criança e ao adolescente? A Constituição diz que, além do Estado, estão obrigados à proteção da criança e do adolescente, a sociedade – e aqui eu vejo as emissoras, o Estado e o Ministério Público – e a família.


O Ministério compatibilizou essas duas regras. Se as emissoras dizem que são responsáveis, elas poderão fazer a auto-classificação, que será reconhecida – vou usar expressão que a portaria não traz –, homologada pelo Ministério da Justiça. As emissoras são responsáveis como concessionárias de um serviço público. Nós reconhecemos esta responsabilidade e presumimos a boa-fé dessas emissoras.


Do ponto de vista prático, que mudança ocorreu? Vários especialistas dizem que a nova portaria, a que entrou em vigor no domingo (13/5), facilita a vida das emissoras em relação ao que dispunha a portaria anterior, de 2000.


J.E.R. – Elas vão produzir uma classificação, uma descrição sobre seu conteúdo, e vão mandar para cá. Em regra, esse conteúdo será apenas chancelado, homologado, pelo Ministério da Justiça. Por quê? Porque havendo essa dispensa da análise prévia eles não mandam mais a obra. Eles apenas precisam mandar a informação que será divulgada na tevê.


Eles vão mandar um formulário para que nós vejamos. Bom. O nome do filme é ‘Proibido para maiores’. Contém sexo e violência. E eles pedem livre? Isso nós estamos chamando de inconsistência. É impossível aceitarmos essa autoclassificação. Nesses casos, o Ministério vai exigir que a emissora apresente a obra.


Seja qual for o argumento da Abert, o que é inevitável é que eles reconheçam que há uma mudança e, mais favorável às emissoras, da portaria 796 [assinada em 2000] para a 264 [assinada em 2007]. O que eles não podem argumentar, o que me parece absolutamente equivocado, é como se o Ministério pudesse, por meio de uma portaria, modificar a Constituição atribuindo às emissoras a responsabilidade pela classificação indicativa. Isso não pode. Simplesmente porque tem um artigo da Constituição que veda. Cabe à União realizar a classificação para efeito indicativo.


O senhor mencionou uma mudança de patamar do debate.


J.E.R. – Qual é o nível do debate neste momento? Há distinção clara entre dois interesses. Há interesses comerciais representados pela Abert, claramente fixados ou evidenciados quando se discute fuso – não tem mais jeito; quando se fala em fuso se fala em modelo de negócios. E é pela manutenção desse modelo de negócios que a Abert tem brigado contra a classificação indicativa. A classificação indicativa, por outro lado, não quer diminuir margem de lucro. Ela quer promover a defesa de crianças e adolescentes. Essa é a oposição evidente que se deu. E quando eu falo isso, falo amparado não pelas minhas próprias conclusões que trouxe daqui, ou que, como um gestor do Ministério, produzi, mas é o Zico Góis, um diretor de uma empresa comercial, como a MTV, que diz claramente que o problema é a margem de lucro. Que o problema é modelo de negócios. Que são interesses comerciais contra garantia de direitos da criança e do adolescente.


Quando as emissoras fazem menção à liberdade de expressão, fazem como se fossem indivíduos, como se fossem pais e filhos, particulares, que foram usurpados pelo Estado. Ah, quem é que acredita nisso? O ponto aqui é, para nós, a liberdade de uma empresa que decidiu pleitear uma concessão, obteve uma concessão e por isso tem que se submeter a determinadas regras, que não se aplicam aos particulares. A classificação será sempre indicativa para pais. Ninguém vai entrar na casa de pai algum, de responsável algum, e verificar o que você está exibindo para o seu filho. Mas quando se trata de concessionários, esses, sim, têm que ter limites para a veiculação daquilo que produzem.


(Transcrição feita com a colaboração de Tatiane Klein.)