Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Lula deixou Dirceu nu diante dos seus inimigos

O Estadão acertou hoje na mosca, ao destacar, já na chamada de primeira página e, depois, na primeira manchete interna, o principal aspecto do principal fato político brasileiro desde a eleição de Lula: a cassação do deputado José Dirceu, “abandonado pelo Planalto”.

Em outra das 16 matérias sobre o mais importante detentor de mandato eletivo a perdê-lo desde o presidente Fernando Collor, o Estado – o jornal que melhor cobriu o desfecho do caso, consumado aos primeiros minutos de hoje – destacou que o coordenador político do governo, ministro Jaques Wagner “nem foi à Câmara” e informou que ele se limitou a telefonar para desejar “boa sorte” ao companheiro de partido.

Também o Globo, porém muito mais discretamente – no último de seus oito textos sobre a cassação – noticiou que “apesar dos apelos de dirigentes petistas, o Palácio do Planalto deixou o deputado José Dirceu entregue à própria sorte” e que “a ordem do presidente Lula, para que não houvesse ação do governo em favor de Dirceu, foi cumprida à risca”.

De fato, na área do Executivo quem batalhou solitariamente – e não burocraticamente, como quem cumpre tabela – para salvar o seu outrora “capitão do time” foi o vice José Alencar.

Como diz acertadamente o Valor numa matéria cujo título se equivoca ao arrolar o Planalto, ao lado de ACM, Sarney e Jader [Barbalho] entre os que ajudaram o deputado, “se sobrevivesse, Dirceu deveria isso basicamente a si mesmo”.

Não é difícil entender por quê. Do Estado: “Para o governo a retirada de Dirceu poderia representar a redução da temperatura da crise. Durante o calvário do deputado, Lula apelou para que ele renunciasse.”

Pudera: ele só pensa naquilo – a reeleição. E quem o conhece de há muito nunca dirá que alguma vez lhe faltou frieza para remover do caminho os obstáculos aos seus objetivos.

“Os dois”, comenta Rogério Gentile, na Folha, “sempre foram parceiros, numa relação de amor de ódio”.

Explica: “Dirceu é a mão-de-ferro que Lula utilizou para controlar o PT, chegar ao poder e governar o país sem ter de comprometer sua imagem de mito. E Lula é a liderança popular que Dirceu nunca conseguiu ser e usou para se realizar como autoridade.”

Escrevendo no espaço de Clóvis Rossi, Gentile conclui que “se um é culpado, como tudo leva a crer, o outro também é.”

Tirando o “como tudo leva a crer”, que prefiro deixar ao juízo do eventual leitor, difícil discordar do raciocínio.

Tudo leva a crer, aí sim, que tem base na realidade o argumento do pefelista amazonense Pauderney Avelino, citado na mesma Folha: “Se não fosse assim, seríamos 513 deputados tomando bengaladas pelo país afora.”

Isso posto, a madrugada deixou um gosto amargo na boca de todos quantos foram dormir pensando que Congresso é esse que Dirceu deixa de integrar, mas onde permanecem tipos como os deputados Jader Barbalho e Jair Bolsonaro, e senadores como Jorge Bornhausen e Antonio Carlos Magalhães.

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