Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Lula e Dirceu, ou ‘a gente se vê por aqui’

A mídia destaca hoje a coincidência entre a declaração do presidente Lula, em resposta a um dos radiojornalistas a quem falou ontem por hora e meia, de que levaria a seu palanque o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, ‘porque nada foi provado contra ele’, e a chegada às bancas, no mesmo dia, da primeira edição da revista Fórum. Nela, também em entrevista, Dirceu diz que está ficando claro que Lula é ‘personagem difícil’ e que ‘não sobrou nada no governo’.

Antes de mais nada, crédito a quem merece. A primeira notícia sobre as ácidas palavras do antigo ‘capitão do time’ do governo já tinha saído ontem na coluna Mônica Bergamo, da Folha, que as pessoas que sabem das coisas lêem todo dia.

Na sequência de uma nota intitulada, talvez com involuntária ironia, ‘A língua solta de Dirceu’, em que Mônica antecipa os trechos calientes, como diria ela, da entrevista à Fórum, está a informação cuja verdadeira temperatura o tempo dirá:

‘Antes de gravar depoimento para seu livro sobre a vida no governo Lula, o ex-deputado José Dirceu já começa a escrever uma ‘carta aberta ao militante petista’, para lançar em janeiro. Promete. De acordo com quem o auxilia na preparação do documento, Dirceu vai fazer críticas pesadas ao governo. ‘Ele agora liberou. Não tem mais nada a perder’, diz o auxiliar.’

Decerto Lula já tinha sido informado do que Dirceu dissera dele e do seu governo, quando falou aos representantes das três grandes redes de emissoras jornalísticas (Bandeirantes, CBN e Jovem Pan). Por isso, terá ele querido mandar uma mensagem de paz e amor ao seu mais novo crítico?

Pode ser, pode não ser. Mais de um comentarista, no entanto, notou que Lula só passou a proclamar a inocência de Dirceu depois que, por assim dizer, Inês estava morta. Claro que seria um escândalo se o presidente saísse publicamente em sua defesa enquanto corria o processo contra ele na Câmara. Mas:

1) É público e notório que Lula pressionou Dirceu para que renunciasse quando era iminente a abertura da ação no Conselho de Ética – alternativa que ele se recusou taxativamente a considerar desde o primeiro momento.

2) É igualmente público e notório que os homens do presidente – salvo o vice José Alencar, se é que ele cabe nessa categoria – não moveram uma palha junto aos deputados para que mantivessem a cabeça de Dirceu presa ao pescoço.

Pode-se discutir até o fim dos tempos se, caso contrário, outro teria sido o desfecho da votação em plenário. Mas que Lula lavou as mãos, lá isso lavou. [Ver neste blog a nota ‘Lula deixa Dirceu nu diante dos seus inimigos’, de 1º de dezembro].

Isso porque Dirceu era uma batata quente: a sua saída de cena, primeiro do Planalto, depois do Congresso, foi entendida – não sem razão, em termos estritamente pragmáticos – como condição necessária, embora insuficiente, para remover do palco a crise da corrupção, abrindo caminho para o que Lula quer que domine o noticiário: o que entende serem as suas realizações, o abre-te Sésamo da reeleição.

Por sinal, Mônica Bergamo escreve hoje que o presidente pediu a um senador do PT que ajude a conseguir votos na Câmara para preservar o mandato do Professor Luizinho – um dos cinco companheiros com processos abertos no Conselho de Ética. Em relação a Dirceu, repita-se, não se tem notícia de que ele tenha feito qualquer coisa remotamente parecida .

Uma coisa é certa: Lula e o principal arquiteto político da sua eleição – que, apesar disso, só se dirigia a ele, sintomaticamente, como ‘senhor presidente’ – podem não ter tudo a ver. Mas é uma gente que vai se ver por aqui. E não será pouco, não.

Já que não têm do que se queixar…

Lula disse ontem que os petistas precisam aprender a apanhar. Afinal, ‘bateram a vida inteira’. E arrematou: ‘Não temos que nos queixar’.

Ah, é? Então lá vai. Para sustentar a versão de que Dirceu não sabia das lambanças do tesoureiro petista Delúbio Soares, o presidente argumentou:

‘Ora, se a gente não sabe as coisas que acontecem dentro de casa, por que num Estado o ministro tem que saber de tudo o que acontece no território nacional?’

Dirceu não tinha que saber de tudo o que acontece ‘no território nacional’. Bastava que soubesse o que acontecia no PT, onde – mesmo depois que se licenciou da presidência que ocupava há 9 anos – ninguém mandava mais do que ele.

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