Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mainardi, um estilo à procura de idéias

Diogo Mainardi assina uma coluna na Veja. A coluna é semanal. Mainardi precisa ter um assunto por semana. Ninguém tem inspiração toda semana. No aperto, Mainardi inventa. Não me arrisco a dizer com que freqüência. Falta-me a experiência de leitor regular da coluna semanal de Diogo Mainardi na Veja.


Na edição desta semana Mainardi mostra o tamanho de sua ignorância sobre classificação indicativa de programas de televisão, assunto atual, e sobre o que foi a censura durante a ditadura. Diz que a equipe encarregada da classificação indicativa no Ministério da Justiça é ‘o novo Dops’. O “Dops lulista”.


Dá nomes de funcionários. É uma técnica conhecida. Como a dos filmes que dizem: “Baseado numa história real”. Verossímil. O dicionário define verossímil: “Que parece verdadeiro”.


Mas é falso. Triplamente falso. A classificação não é “prévia”. Em entrevista ao Observatório da Imprensa, o encarregado desse setor no Ministério da Justiça, José Eduardo Romão, comparou a classificação indicativa a colocar um rótulo que informa o que está dentro da embalagem do produto. Quem o coloca é quem produz. O governo fiscaliza. Clique aqui para ler a entrevista de Romão.


Caso a classificação fosse prévia não poderia haver programas ao vivo. Mesmo que o Ministério da Justiça quisesse colocar um funcionário em cada estúdio.


O que existe é a autoclassificação. O Ministério da Justiça verifica depois se a classificação atende a determinadas normas. Mas nem isso as emissoras querem. As redes de televisão não querem nenhuma classificação que as obrigue a transmitir os programas de acordo com os fusos horários do país. Hoje, no horário de verão, a novela dita das oito, que vai ao ar às nove, encontra crianças no Acre diante da televisão às seis da tarde, hora local. O Acre tem duas horas a menos do que Brasília, sem horário de verão. Três horas de diferença no horário de verão. Horário de verão dura no mínimo um terço do ano. Não é só o Acre. Dezoito estados têm fuso diferente do de Brasília durante o horário de verão.


A segunda falsidade é escrever, neste caso, “Dops lulista”. Quem criou a classificação indicativa foi José Gregori, ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Faz sete anos. Mainardi já assinava colunas na Veja mas não deu atenção ao assunto.


Mainardi não tem idéia do que possa ser um verdadeiro “Dops lulista”. Mainardi é diletante.


A terceira falsidade, por ignorância, é a respeito da censura durante a ditadura. Não era exercida pelo Dops. Cabia a um órgão chamado Divisão de Censura de Diversões Públicas. A Censura, como abreviadamente era chamada, foi durante alguns anos chefiada por ‘Antonio Romero Lago’. Era um impostor. Fora condenado como mandante de um assassinato, preso em 1944 no Rio Grande do Sul. Falsificou um documento de identidade e subiu nos escalões do Ministério da Justiça. Seu nome verdadeiro era Hermelindo Ramirez Godoy. O carimbo com a assinatura de “Romero Lago” apareceu na introdução de todos os filmes exibidos no Brasil durante anos. Romero Lago assumiu em 1966, caiu alguns anos depois. Mainardi nasceu em 1962. Ainda não ia ao cinema. Tenta ser inventivo, mas não entendeu que a realidade sempre supera a ficção. Hermelindo foi melhor do que Diogo na arte de se fazer passar por algo que não é. Era profissional.


Mainardi escreve que “Lula é cria de Ernesto Geisel”. Mainardi é cria de leituras mal feitas ou de todo não feitas. Cria de impulsos oportunistas.


Mainardi cavalga um antilulismo de conveniência artística. Para o governo, um bálsamo. Sua crítica é quase sempre inconsistente.


Mainardi é um estilo à procura de idéias.


[Nota em 15/5. Antonio Claudio Netto, consultor da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), enviou a seguinte mensagem:


A respeito de seu artigo ´Mainardi, um estilo à procura de idéias´, esclareço que a Portaria 264/07 do Ministério da Justiça, que regulamenta a classificação indicativa, é uma ameaça à Liberdade de Expressão, entre outros motivos, porque prevê a necessidade de análise prévia das obras pelo Ministério para que as mesmas possam ser exibidas. Entre os requisitos para que seja feita a classificação indicativa da obra está o previsto no art. 7º, parágrafo terceiro:


´Além dos documentos relacionados no parágrafo anterior, deverá ser efetuada a entrega ou exibição da respectiva obra audiovisual para a qual se pretende obter a classificação´.


O dispositivo afronta a Constituição, que garante a liberdade artística, independentemente de censura ou licença. Se uma emissora de televisão não pode exibir uma obra sem antes submetê-la a um setor de classificação, evidentemente a exibição está sujeita a uma licença, o que é incompatível com o texto constitucional.


A Portaria tenta minimizar essa submissão afirmando que criou a autoclassificação, por meio da qual a própria emissora poderá atribuir uma classificação à obra que pretende exibir. No entanto, para que possa autoclassificar sua obra, a emissora depende de uma autorização do Ministério, caso a caso (art. 9º, parágrafo primeiro). Segundo o texto da Portaria, a emissora apenas ´pode solicitar dispensa da análise prévia realizada pelo DEJUS/SNJ´. Fica a critério do Ministério decidir quem precisa e quem não precisa submeter suas obras ao crivo da classificação. O dispositivo da Portaria, é preciso repetir, é totalmente incompatível com a Liberdade de Expressão garantida pela Constituição Federal, que independe de censura ou licença.


Antonio Claudio Netto, consultor da Abert.’


Talvez o artigo 9º possa ser redigido de outra maneira, mas de modo nenhum existe censura. A censura é proibida pela Constituição. Aqui se trata apenas de classificação indicativa. Indicativa quer dizer o seguinte: indicada ou não para determinado horário. Durante a ditadura o governo decidia se um filme ou programa de televisão poderia ser exibido ou não, ou se poderia ser liberado com cortes. Agora não há proibição nem cortes. A classificação é apenas para dizer: especialmente recomendado para crianças e adolescente, livre, 10 anos, 12 anos, 14 anos, 16 anos ou 18 anos.


O texto da portaria tem defeitos (mesmo quanto à redação mais adequada segundo a norma culta brasileira), mas não é isso que está em debate.


O representante da Abert encontra na portaria pretexto para bradar em nome da liberdade de expressão (com iniciais maiúsculas), que não está ameaçada. Boas informações disponíveis sobre o assunto indicam que o artigo 9º significou uma facilidade maior para as emissoras em relação às condições existentes anteriormente. As redes de televisão não querem: 1) respeitar os fusos horários brasileiros; 2) seguir a padronização adotada para uniformizar os avisos relativos à indicação do programa para determinado horário.


Acabo de entrevistar, às 19 horas, o diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça, José Eduardo Romão. Ele se preparava para entrar num programa da TV Justiça e anunciou que vai ‘mudar o nível’ da discussão: passar a discutir a questão das concessões de rádio e televisão. Romão diz que a Abert, em nome das emissoras, fala como se essas fossem indivíduos privados titulares de direitos à liberdade de expressão, mas não o são. São titulares de concessões dadas pelo Estado brasileiro. Segundo Romão, o Ministério da Justiça não pode se eximir do cumprimento de algo que está prescrito na Constituição brasileira: ‘exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão’ (artigo 21, XVI, que enumera aquilo que ‘cumpre à União’). Em breve publicarei uma síntese da entrevista, parte da qual entrará amanhã no programa de rádio do Observatório. A entrevista completa será publicada neste blogue.


Clique aqui para ler a entrevista.


Ver o texto de Alberto Dines ‘Em defesa da lei da selva na terra de ninguém‘.]