Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Maria Helena e o pão que o diabo amassou

Quando o governo anunciou, na quinta-feira, o Plano de Desenvolvimento da Educação – que virou, de imediato, uma unanimidade nacional -, entre os convidados que lotavam a platéia do Planalto estava a paulistana radicada em Campinas Maria Helena Guimarães Castro.


Ela foi a responsável pelo que de mais importante – e inovador – se fez no Brasil em matéria de avaliação do ensino, na gestão do tucano Paulo Renato. Atualmente, comanda a secretaria de Educação no governo do pefelista José Roberto Arruda, no Distrito Federal.


Depois do evento, não houve repórter escalado para ‘repercutir’ o programa que a ignorasse. E em todos os jornais ela apareceu elogiando o trabalho do ministro petista Fernando Haddad. Chegou a considerar ‘excelente’ a idéia de combinar os resultados das provas de aferição do ensino básico, que passarão incluir crianças a partir dos 6 anos, com os dados do fluxo escolar (índices de evasão e repetência) para orientar a política de incentivos aos municípios, prevista no plano.


A repórter Lilian Tahan fez mais – a reportagem ‘O poder de Maria Helena’, publicada hoje no Correio Braziliense. É coisa fina, principalmente por ser um dos raros textos em que a imprensa dá ao público pagante uma idéia do pão de cada dia servido nas instituições estatais do setor educacional.


É, vocês já devem ter adivinhado, o pão que o diabo amassou. A reportagem:


‘Toca o telefone da terceira mesa à esquerda de quem entra na sala principal do Centro Administrativo em Taguatinga. Alguém quer falar com a secretária de educação do Governo do Distrito Federal, Maria Helena Guimarães. Uma das assessores atende o telefone. É um deputado distrital. “Se for nomeação de diretor de escola, diga que eu não posso atender”, orienta Maria Helena à funcionária.


Não se trata de desprestigiar os parlamentares locais, mas ela cansou de receber ligações nos últimos meses em que o objetivo era o mesmo. “Muitos me procuraram na expectativa de usar a influência política para nomear diretores, trocar professores de escola, indicar pedagogos, até secretários. Tenho insistido que na minha pasta não há espaço para esse tipo de negociação”, afirma.

A intransigência a respeito de algumas convicções foi o que motivou o primeiro teste na relação entre Maria Helena Guimarães e o governador José Roberto Arruda.


No início de março, Arruda nomeou Marcelo Aguiar para uma das gerências de projeto do governo. Pessoa de confiança do ex-governador do DF e senador Cristovam Buarque, Marcelo Aguiar entrou no organograma do GDF pela cota do PDT. Ocuparia a gerência de avaliação da educação. Ocuparia.


Porque Maria Helena não concordou com as atribuições do cargo cedido ao PDT. Na visão dela, vigiar o sistema de ensino é parte do processo de gestão e “tem que estar necessariamente vinculado à secretaria”.

A despeito do constrangimento causado com os aliados do PDT, prevaleceu a opinião da gestora. Para abrigar Marcelo Aguiar a secretaria de governo criou uma outra gerência, a de qualificação profissional. “Não bati de frente com o governador, dei uma esbarradinha de lado”, comenta a secretária. “Eu decidi e ele não desautorizou, acho que nos entendemos”, avalia.

Em alguns episódios a secretária importada de São Paulo apresenta o seu estilo de trabalho na capital federal. Foi convidada por Arruda pelos predicados de um perfil técnico.


Maria Helena é socióloga com doutorado em Ciências Políticas. Participou da fundação do Núcleo de Políticas Públicas da Unicamp, na década de 1980, e de lá para cá já colaborou formal e informalmente com projetos políticos de estrelas da política tucana, como Fernanndo Henrique Cardoso (coordenou o programa de governo na área social em 1994), Paulo Renato de Souza (foi secretária-executiva no Ministério da Educação), Geraldo Alckmin ( secretarias de Desenvolvimento Social e de Ciência e Tecnologia) e José Serra (colaborou nas campanhas ao Planalto e ao governo paulista).

Mas além da experiência na elaboração de políticas públicas, Maria Helena tem conquistado o respeito do novo chefe demonstrando aptidões políticas. Do ponto de vista do governo, a secretária soube contornar a primeira ameaça de greve de professores poucos dias depois do início da administração pefelista.


Justificando o rombo no caixa deixado pela gestão anterior, o GDF atrasou em mais de um mês o pagamento das férias. “Na primeira reunião que tiveram com a secretária, os professores chegaram dispostos a cruzar os braços. Depois de uma hora de conversa, a secretária convenceu os sindicalistas a desistir da atitude”, elogia o secretário de Comunicação do GDF, Weligton Moraes.

Mas de lá para cá, a relação com os professores dá sinais de que pode azedar. Sindicalistas dizem faltar justamente o que governo avalia que está no ponto: sensibilidade no trato com a categoria. Representantes dos docentes reclamam das críticas públicas feitas por Maria Helena aos professores. A secretária condena o excesso das licenças tiradas pelos profissionais da área e comenta que os salários no DF estão acima da média nacional.


“Ela tem colocado nas costas dos professores a responsabilidade da quebra na qualidade do ensino, culpa que é do governo. Com isso, a secretária demonstra não conhecer a realidade da rede pública no DF, além de desprezar a construção de uma relação de confiança com a categoria”, critica Antônio Lisboa, um dos diretores do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro DF).

Apesar das críticas, Maria Helena está disposta a defender um ponto de vista amadurecido durante os oito anos em que trabalhou como secretária-executiva do Ministério da Educação, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. [Na realidade, não foi durante todos os oito anos.] A gestora defende que os docentes no DF têm condição privilegiada em relação ao restante do país, mas mesmo assim a qualidade do ensino não corresponde à essa realidade.


Maria Helena Guimarães está surpresa com a situação que encontrou no Distrito Federal. Às vésperas de completar 61 anos de idade, declara que a motivação de voltar a trabalhar em Brasília foi a perspectiva de realizar um sonho profissional.


“Aceitei o desafio de desenvolver um novo projeto de gestão para a educação na capital, mas até agora só administrei crises”, diz, ansiosa por apresentar resultados positivos.’


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