Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ministério defende classificação indicativa para televisão

O nome do cargo de José Eduardo Romão no Ministério da Justiça assusta um pouco. Ele é diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação. Para o que aqui interessa, ele foi o autor da portaria (nº 264, de 9 de fevereiro) publicada no dia 12 sobre classificação indicativa de programas de televisão.


Nesta entrevista, ele diz que a classificação indicativa é comparável ao rótulo de um produto ou à bula de um remédio. Trata-se de dizer o que o produto contém. À semelhança do que se faz nesses casos, e também à imagem do processo de declaração do Imposto de Renda, vigora o princípio da boa fé. A autoridade aceita o que é declarado. Isso permite que se ande mais rápido, sem abrir mão da proteção dos direitos da criança e do adolescente.


Seria incoerente pedir aos pais que fiscalizem, no horário em que estão fora de casa trabalhando, o que seus filhos vêem na televisão. Daí nasceu a vinculação entre faixa etária e faixa horária. Num futuro breve, com o advento da TV digital e de novas tecnologias, esta discussão mudará de feição. O problema das faixas horárias terá sido superado. E, acrescente-se, não apenas no que diz respeito à adequação dos conteúdos. Em alguns anos, como disse recentemente o especialista Nelson Hoineff, colaborador deste Observatório (ver ‘A TV no fim de uma era‘), parecerá bizarra a idéia de ser obrigatório ver um programa às nove da noite, depois do programa das oito e antes do programa das dez.


Romão, 33 anos, é professor universitário e gestor da administração federal por concurso prestado no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Prepara tese de doutorado sobre… classificação indicativa.


Ele deu ao Observatório da Imprensa, ontem (13/2), a seguinte entrevista.


Mudança da lei começou em 2000


A questão principal seria interessante conhecer um pouco da dinâmica da legislação e do envolvimento das emissoras, contar um pouco, sintetizando, o que aconteceu. É um assunto que começou em 2000.


José Eduardo Romão – Antes do atual governo discutia-se já a vinculação da classificação à defesa da criança e do adolescente. Já em 2000, com o ministro José Gregori [governo FHC], deixou de ser um tema restrito à liberdade de imprensa ou de expressão dos radiodifusores.


É um tema posto pela Constituição de 1988, com a clara pretensão de expurgar a censura desse país, mas, ao mesmo tempo, de responder ao desejo do Estado, da sociedade e da família de protegerem em caráter prioritário a criança e o adolescente. Isso é importante.


Esse mérito do ministro José Gregori, como já fizemos aqui em outra ocasião [em programa de televisão do Observatório da Imprensa], nós temos que reconhecer: a nova Constituição trata de direitos e garantias fundamentais, entre os quais o direito da criança e do adolescente ser protegido em caráter prioritário de conteúdo potencialmente ofensivo. Foi o que levou a se dar tratamento especial para propaganda de tabaco.


Em 2000, publicada a portaria e iniciado um processo mais bem organizado, eu diria, de classificação, estruturamos um departamento no Ministério da Justiça. Também começaram, com esse processo, com essa nossa estrutura organizada, a aparecer novos problemas.


Por exemplo?


J.E.R. – Por exemplo, a responsabilidade do Ministério ou a prerrogativa que parecia ter o Ministério: decidir aquilo que os pais, em todo o país, poderiam ou não ver com seus filhos.


Há uma lista de dez problemas a que o Ministério chegou, no início de 2004, que exprime muito as críticas do setor de audiovisual, autores e emissoras, e também as críticas que a sociedade e o Ministério Público nos dirigiam.


Em 2004, quando eu assumi, Cláudia Chagas [secretária Nacional de Justiça do Ministério da Justiça] tinha instalado um grupo, uma comissão com diferentes pessoas, entre elas, Eugênio Bucci [presidente da Radiobrás], Ministério Público, setores de telecomunicação aqui representados, para ajudar a identificar os problemas. O que era ruído, o que era crítica infundada e o que era problema que ela deveria resolver.


Críticas e desconfianças


Quais eram os principais problemas?


J.E.R. – Entre outras críticas: os critérios não eram objetivos, havia crítica quanto a excessos de subjetivismos, expressão registrada por nós; uma crítica dirigida pelos pais, sobretudo relacionada ao cinema: “Quem são vocês do Ministério para dizer aquilo que eu posso ou não ver com o meu filho?”.


Outra crítica associada: “Não é uma hipocrisia impedir a entrada no cinema e permitir que o filme seja locado?”. Entre outras: “Por que a classificação ainda é chamada de censura?”


E entre essas dez, a última, que listávamos como a mais séria, a mais consistente, é: “Por que a classificação, que é indicativa, se transforma numa proibição de veiculação em determinados horários para as emissoras?”


“O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], no final das contas, é ou não inconstitucional?”


Nós estamos, hoje, discutindo as soluções que o Ministério produziu ao longo desses quatro anos para esse conjunto de dez problemas. Dividimos esses problemas em “problemas relacionados à eficiência do trabalho” e a nova portaria tem medidas que desburocratizam o processo, promovendo maior agilidade.


Em outra vertente, associamos esse problema à questão da eficácia. Isso significa: você trabalha para produzir informação que não informa ninguém, que não tem utilidade alguma? Para que prestar um serviço que não tem utilidade?


Essas nós chamamos de “questões sobre eficácia” e “questões sobre efetividade”. Se a classificação indicativa é uma indicação aos pais, com a pretensão de ser uma medida de caráter pedagógico, auxiliar a educação, então ela precisa ou pode ser observada pelos pais tanto quanto cumprida pelas emissoras. E esse, certamente, é o lugar mais difícil, mais polêmico.


Longo processo de consulta pública


Como foi encaminhado o esclarecimento desses pontos de controvérsia?


J.E.R. – O Ministério, para não produzir um resultado, um conjunto de soluções que exprimissem apenas a concepção de um governo, com a perspectiva de poucas pessoas, deu início a um longo processo de consulta pública.


A primeira etapa desse processo foi montar um grupo de trabalho paritário – com representações da sociedade civil, especialistas e ONGs, das emissoras, que também são sociedade civil organizada, então estavam Abert [Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão], Abratel [Associação Brasileira de Radiodifusão, Tecnologia e Telecomunicações], Abra [Associação Brasileira de Radiodifusores], governo e Ministério Público.


Esse grupo de trabalho, que trabalhou durante seis meses, com data para começar e acabar, tinha a finalidade de verificar se esses problemas que a gente tinha descrito eram verdadeiros, sempre monitorando e controlando o trabalho do Ministério. E se havia outros subsídios que fosse necessário considerar para o trabalho de regulamentação da TV.


Nesse momento, nós vimos que a questão da TV era tão complexa – suscetível a pressões, a interesses de toda ordem – que o Ministério resolveu fatiar as soluções, fatiando o tratamento de diferentes mídias. Isso significou começar pelo cinema e espetáculos, problema que nos parece grande, mas é muito mais uma incoerência do Estado do que relações ou mediar interesses de emissoras, Ministério Público e sociedade.


No processo de consulta pública, análises das sugestões obtidas e o tempo todo solicitando às emissoras que produzissem, com alguma objetividade, contribuições, fomos avançando .


Havia setores que desconfiavam da história do Ministério, tendo em vista o trabalho de censura que aqui se praticou de censura [no passado].


O Ministério e os interesses das emissoras


Os senhores ganharam a confiança desses setores?


J.E.R. – Entre outros, e aí eu vou fazer um parênteses, das TVs públicas, do Ministério Público – que via no trabalho do Ministério da Justiça conivência com os setores empresariais – e das ONGs, dos setores mobilizados para a defesa dos direitos humanos. Faço chamar atenção especial da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania.


Eu fui ao Observatório da Imprensa [na televisão], eu me lembro disso, o [Alberto] Dines me cobrava uma explicação pela exoneração do antigo diretor, que eu substituí. Uma danada de uma saia justa. Mas o que ele revelava com aquilo era uma percepção da sociedade, eu reconheço, “Espera aí, será que o Ministério cedeu mais uma vez aos interesses da Record?”


E naquele momento foi insuficiente, mas o que eu tentei responder ao longo desses anos é que havia, na verdade, um problema de método que fragilizava o trabalho do Ministério. E muito.


E assim, tratando com alguma consistência, com o apoio das universidades, nós, primeiro, criamos um método comparável aos que existem nas democracias mais consolidadas: um método de trabalho de análise de conteúdo de audiovisual. Então os problemas de eficiência foram sendo reduzidos ao longo do trabalho.


Aplicamos esse método primeiro no cinema, com os princípios que constituem a classificação – e é bom dizer que o nosso esforço foi também atribuir um conceito à classificação, para explicar o que hoje nós estamos discutindo: mas se ela é indicativa para os pais, como é que pode ser proibitiva para as concessionárias?


Tem um contra-senso nisso. Só conseguimos chegar hoje com consistência e convencidos de que esse processo tem bons argumentos consolidados porque foram produzidos novos conceitos.


Cinemas, espetáculos públicos e diversões em geral nós batemos da seguinte forma: não tem mesmo o Estado que dar pitaco no acesso ao cinema de crianças e adolescentes se acompanhados dos seus pais e se recebida a informação consistente que a gente produz. Isso significa: é o pai que escolhe, desde que sejam garantidos a esse pai ou responsável instrumentos para que ele realize a sua liberdade de escolha.


O Ministério produz uma indicação, uma informação, amparada por critério objetivos, e o pai vai escolher, como ele faz com a escola do seu filho, como ele decide se põe aqui ou lá, se dá esse ou aquele alimento para ele comer, enfim, se dá orgânico ou transgênico é uma opção do pai.


Nós, com isso, conseguimos afastar vários ruídos: a idéia de censura, de análise prévia do conteúdo. Eu acho que o Sicesp (Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo), que fez duras críticas ao Ministério, revelando a sua desconfiança no início, quando o Ministério publicou a Portaria 1.100 [clique aqui para ler a portaria] disse: “Espera aí, opa, tem novidade aí, o Ministério tem agido com coerência, continua recebendo críticas, mas uma coisa é verdade: eles estão dizendo que são os pais que decidem, mas não dá para sobrecarregar os pais deste país, e não são só os pais de classe média, dar-lhes a a responsabilidade exclusiva por escolher o que o seu filho vê ou assiste”.


Classificação é direito novo inscrito na Constituição


Houve alguma mudança de percepção por parte dos envolvidos?


J.E.R. – Alguns setores que, historicamente, eram contrários ao trabalho de classificação começaram a perceber que não era um bicho-papão coisa nenhuma e que se trata mesmo da defesa do interesse da criança e do adolescente, sem prejuízo da liberdade de expressão.


Esse é o conceito chave para nós. A classificação é um desses direitos novos que a Constituição traz, que exige sempre um equilíbrio entre diferentes princípios. Essa é uma característica não só da nossa Constituição, mas do direito democrático moderno. Qualquer Constituição dos países modernos traz isso.


Você tem liberdade de expressão, mas eu não posso pichar o seu carro. Manifestando a minha liberdade de expressão, eu não posso fazer manifestações de ódio, o Supremo já decidiu.


E o que acontece? Com as manifestações favoráveis do cinema, pudemos dizer: “A portaria do Ministério está aí, ninguém está sendo enganado, o Ministério está tratando claramente quais são os interesses que vigoram neste processo, ou seja, proteção à criança, liberdade de expressão, nós queremos é discutir isso mais uma vez, avançar até que a TV sinta-se confortável para que consigamos produzir uma portaria especifica que trata da TV”.


Veio a Lei 10.359, de 2001 [clique aqui para ler o texto da lei], cuja vigência foi protelada, a Lei do V-Chip, entre outros documentos que dispunham que não é só TV aberta, é TV pública, TV fechada, o Ministério não pode discriminar, porque a lei não discrimina.


Classificar sem burocratizar


E nós vivemos a grande dificuldade de produzir um sistema de classificação que não criasse impedimentos burocráticos à indústria, que ao mesmo tempo produzisse proteção à criança sem aumentar o orçamento. Esse era o meu dilema como gestor.


Como é que se cria um sistema que aumenta a qualidade da informação sem refrear a produção cinematográfica ou a produção cultural neste país veiculada pela TV?


Esperando que o nosso trabalho aumentasse de seis mil produtos/ano para vinte mil produtos/ano, com o ingresso da TV por assinatura, nós criamos um instrumento, já na discussão com as emissoras, da autoclassificação.


Essa autoclassificação é: instituímos a boa fé. “Vocês são concessionárias de um serviço público, respondem aqui no Ministério das Comunicações, nós vamos presumir que vocês farão a autoclassificação dos programas como fazem a declaração do Imposto de Renda: preencham de acordo, respeitem as regras vigentes e nós vamos acolher em regra as autoclassificações que vocês fizerem”. Eu estou pensando na TV pública, na TV por assinatura.


A autoclassificação tem sido criticada. Alberto Dines escreveu que se trata de entregar às raposas a guarda do galinheiro [ver ‘Fada madrinha também é bicho-papão‘].


Garantir que as TVs assumam a responsabilidade que dizem ter


J.E.R. – Queríamos garantir que as TVs pudessem assumir a responsabilidade que elas dizem ter, de analisar adequadamente o seu conteúdo, ou seja, elas são capazes de informar o que produzem. Você vai me perguntar depois sobre ada guerra de audiência. Nós reconhecemos isso.


O sistema institui a boa fé e não dá para afastar. É essa a relação que se institucionalizou. Na medida em que as emissoras fazem autoclassificação, nós não podemos fragilizar a proteção à criança, tem que ser mais eficaz.


No modelo velho, ainda atual, porque a nossa portaria entra em vigor em noventa dias, se demora-se oito meses para classificar uma novela – tempo maior do que o de uma novela –, temos que tomar cuidado para não prejudicar esse sistema, numa defesa contraditória, mas torná-lo mais eficaz.


Isso se conseguiu com a denominada classificação cautelar. Ao mesmo tempo em que o Ministério da Justiça faz autoclassificação, tem um procedimento mais ágil para modificar a classificação de um programa, caso ele vá ao ar com interesses comerciais exclusivos, ou seja, gerar audiência, produzindo prejuízos às crianças e não atendendo as regras definidas pelo ECA.


Sistema de freios e contrapesos


Fizemos um sistema, acho que não tem outro nome, de freios e contrapesos, que depende muito da responsabilidade de quem atua, desde o Ministério às emissoras, ao pai e ao Ministério Público. Isso está, na nossa visão, bastante equilibrado e na visão de alguns outros setores, também.


O Conanda [Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescente] viu só não com receio, mas se pronunciou contra o trabalho do Ministério da Justiça, porque a gente sobrecarregaria os pais e, ao longo de todos esse anos o Conanda foi debatendo e se convencendo de que a classificação reforça o poder familiar, a autoridade da família, reforça a capacidade dos pais de decidir sem sobrecarregá-lo, porque distribui parte dessas responsabilidades com as emissoras e o Estado.


A autoclassificação surge como uma desburocratização, uma agilização, como um expediente que impõe coerência na relação, mas exige para alguns casos, outros contrapesos. No caso das TVs abertas, o que mais gera polêmica é a vinculação de faixa etária com faixa horária. Esse é o último problema que o Ministério tinha que resolver.


Como justificar que a classificação, sendo uma indicação aos pais, é uma obrigação de horário de veiculação para as emissoras? Nós resolvemos nos seguintes termos: a classificação indicativa é uma indicação aos pais para que eles exerçam controle sobre o que seus filhos vêem.


Como o pai que não está em casa pode impedir filho de ver baixaria?


Objetivamente ou praticamente, há hoje nas TVs dispositivos ou meios de bloqueio ou meios adequados para que os pais exerçam esse controle o tempo inteiro? Isso significa: o pai que não está em casa das 8h às 20h pode impedir que seu filho veja o conteúdo considerado inadequado por uma TV, sexo explícito, por exemplo, às 15h?


Como não há controle específico de acesso, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu corretamente, essa é a minha opinião, uma vinculação entre faixa etária e faixa horária. Não se podendo presumir a presença dos pais e não havendo dispositivo de controle eficaz – essa é a expressão utilizada pela Portaria –, aos concessionários do serviço público [é imposta] a vinculação entre a faixa etária não recomendada e a faixa horária.


Isso só existe – e isso nós tentamos dizer para as emissoras e ainda estamos debatendo – porque não podem os pais, como afirmam algumas emissoras, exercer controle na sua ausência.


TV digital e V-Chip tornarão superada a obrigatoriedade de respeitar horários


Quando isso acontecer, seja pelo advento de um V-Chip, seja pela existência de um outro mecanismo que a TV digital instale, cairá a obrigatoriedade entre faixa etária e faixa horária. E aí sim o pai tem que acionar o dispositivo no seu televisor, quando vier a TV digital, e ele se obriga a impedir que o conteúdo considerado inadequado – sexo, violência – entre na TV do seu filho na sua ausência.


Mas enquanto isso não existe, não é possível que o Estado acolha o pedido das emissoras de revogar esse dispositivo e desvincular faixa etária e faixa horária, porque nós consideramos que isso produziria um prejuízo à criança e ao adolescente.


No tempo de Gregori, Folha falou de ‘censura enrustida’


Qual é sua expectativa a respeito de como a discussão pode caminhar nos próximos noventa dias?


J.E.R. – Mesmo que se esteja discutindo hoje a portaria 796 de 2000, editoriais já revelam e consideram argumentos produzidos recentemente. Vou dar o exemplo do editorial da Folha. Quando o José Gregori publicou a 796, o título do editorial da Folha foi “Censura enrustida”. E hoje já sinaliza para a exigência de tirar essa competência do Ministério da Justiça e de se criar uma agência que discuta comunicação social.


Se o ministério tinha uma pequena pretensão, era de fazer da classificação indicativa uma oportunidade de refletir sobre a televisão e alavancar discussões muito mais relevantes. Eu não seria irresponsável de mobilizar tanta gente boa, competente, responsável, séria, que discute comunicação social neste país há anos, sem ter a pretensão de que a classificação contribuísse para isso. A minha visão é realista e otimista nestes termos: eu acho que a classificação pôde alavancar temas de grande relevância para este país. A relação com as emissoras, os interesses políticos que circulam. A classificação, de alguma forma, se não pôs o dedo, tocou em muitas feridas.


Na semana passada havia a informação de que a portaria não seria publicada.


J.E.R. – Eu sou extremamente grato ao ministro Thomaz Bastos, que reconheceu esse esforço feito não só pelo Departamento – pelo contrário, acho que o Departamento teve só a habilidade de reconhecer os movimentos, ir a reboque do que já se discutia neste país, sem falsa modéstia, isso é verdade, quem fazia a campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, o Ministério Público, as TVs públicas, algumas emissoras privadas, destaco a MTV –, o Ministério percebeu esse movimento e o ministro, ao publicar a portaria, diz: chegamos a um patamar de discussão em que existe clareza sobre os pontos de impasse.


Eu tenho certeza de que mesmo lançando a discussão para o Supremo a gente não vai perder de vista que o que está em jogo quando se debate fuso horário é a proteção da criança do Acre, o que está em jogo quando se discute “especialmente recomendados” são as novidades, é exigência de padrões de qualidade para a tevê. Tenho certeza de que a consistência democrática desse processo não vai permitir retrocessos, seja qual for o ministro, seja qual for o governo, pensando nos próximos anos. Eu tenho a impressão de que a mobilização que se tem na imprensa e nos diferentes órgãos e atores sociais não permitirá que essa questão seja mais uma vez reduzida a liberdade de imprensa ou de empresa, essa reedição de um debate que já foi superado.


‘Eletros refreou o debate sobre V-Chip’


Qual é a previsão para um prazo mais longo, com a chegada da TV digital e de mecanismos para se identificar claramente uma cena de violência ou de consumo de drogas, por exemplo?


J.E.R. – Esse debate, quando eu entrei, estava refreado pela Eletros [Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletrônicos], pela indústria de televisores. A sugestão que se tinha desde 2001 é que o governo, na época Fernando Henrique e agora o governo Lula, pagasse a troca da frota de televisores neste país. Isso foi descartado, no primeiro momento. A vinculação com a classificação indicativa era a seguinte: só vai se veicular a classificação indicativa – e por isso os dois estão numa mesma lei, a tal 10.359 – quando houver um dispositivo de bloqueio. O que nós invertemos, e isso foi talvez a nossa maior habilidade, foi: vai haver classificação indicativa vinculada a obrigação horária. Quando houver dispositivo de bloqueio, cai a vinculação horária. 

A nossa expectativa – e até onde eu pude conhecer das tecnologias; eu conheci as tecnologias da Catalunha, da Austrália e da Espanha, que ainda é como um controle da TV a cabo, é o parental, você seleciona, veda canais e não cenas; mas na Catalunha já se tem dispositivo de bloqueio de cenas, de expressões lingüísticas – , eu quero acreditar que essa novidade não dispensa informação sobre o conteúdo, informação prévia.


Classificação informa sobre conteúdo, como em qualquer produto


Eu tenho insistido que a classificação é sobre o conteúdo. É como comprar uma lata de alimento, ou qualquer outro objeto de consumo, sem rótulo, ou remédio sem bula. Essa informação, por mais que o Supremo decida pela inconstitucionalidade da vinculação entre faixa etária e faixa horária, essa conquista de estabelecer padrões na tv e dizer o que contêm os produtos, nós já alcançamos. Isso tem que ser assim, em qualquer democracia moderna. O advento da TV digital pode mudar o quê? A qualidade da informação que chega sobre a classificação indicativa. Hoje vai com Libras [Língua Brasileira de Sinais] para a TV. As tevês dizem que isso vai poluir o vídeo. Eu argumento: daqui a algum tempo você vai ter dispositivos na TV digital para acionar ou não Libras, close caption, e aí isso está resolvido. Mas agora a opção é por tentar incluir o maior número de pessoas. É importante que o resto da população no Brasil saiba que há dois milhões de deficientes auditivos que só são alfabetizados em Libras.


E é com o argumento de que a tecnologia vai diminuir, talvez, o custo operacional da classificação que eu tenho tentado estimulá-los a avançar nesse caminho. Depende das emissoras, agora, produzir uma nova tecnologia que derrube a vinculação entre faixa etária e faixa horária, que coloque dispositivos sonoros de auxílio à informação. Nós criamos uma portaria que está em sintonia com esses avanços tecnológicos, que quer classificar e informar seja qual for o meio, seja qual for o expediente utilizado. Nós garantimos, neste momento, a qualidade da informação produzida. A qualidade da programação não dá para garantir. O que nós podemos agora sustentar é que esse modelo, a nova classificação, melhora a informação sobre o produto e ajuda os pais a fazerem essa escolha com mais consistência.


(Transcrição de Raiana Ribeiro.)


Ler também ‘Especialista defende classificação indicativa‘.


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A Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) promove amanhã um chat sobre classificação indicativa. Aqui vão as informações sobre o chat:


‘Como forma de contribuir com o debate sobre a nova regulamentação para a classificação indicativa de programas de televisão, a ANDI promove nesta quinta-feira (15/2), às 11h, um chat com o diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do MJ, José Elias Romão. A conversa – dirigida a jornalistas e demais interessados no tema – abrirá a programação 2007 de chats do portal Ação 17 (http://www.acao17.org.br/). As pessoas que desejarem participar devem se cadastrar no site. Os primeiros 30 internautas que acessarem o chat poderão fazer perguntas ao convidado. Os demais participarão como observadores’.