Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Muita gente já não lê jornal do mesmo jeito. Viva!

Antes de mais nada, festeje-se este resultado auspicioso de muitos anos de lutas de tantas pessoas que se empenharam em abrir o caminho da crítica da mídia, porque o entenderam indispensável ao aprimoramento do próprio trabalho jornalístico: a maneira de ler jornal, de ouvir rádio, de ver televisão, de navegar na internet mudou. Para melhor.


Mas é preciso, em meio à discussão, fazer duas observações específicas.


Primeira, alguns corifeus do discurso sobre o ‘complô da mídia’ omitem sistematicamente, em suas análises, as malfeitorias do governo e do PT. Falam apenas das maléficas intenções das elites mancomunadas com a mídia, ou vice-versa.


Artigos inteiros, de consideráveis proporções (não se trata, portanto, de falta de espaço), simplesmente não mencionam ‘mensalão’, Marcos Valério, José Dirceu/Roberto Jefferson, Genoíno, Palocci/Ribeirão Preto X caseiro, Berzoini/Lacerda/Bargas/Lorenzetti, etc. Isso é que é imparcialidade. Isso é que é objetividade. Isso é que é defesa dos interesses do povo, defesa da democracia.


Algumas pessoas enchem a boca para falar de democracia, mas se esquecem de que a corrupção é antidemocrática. A menos que estejam falando de outra democracia, não a praticada no Brasil, que seria burguesa. Nesse caso, temos um paradoxo: foi dentro das regras dessa democracia (mais ou menos dentro das regras, digamos, mas ‘todo mundo faz’, sentenciou o presidente Lula) que o povo elegeu e reelegeu Lula.


Querem discutir erros e incompetência da mídia? Não falta material. Mas deve-se trabalhar com fatos e processos bem definidos, não com acusações genéricas. Perto das falhas da cobertura dos problemas sociais do Brasil, idiossincrasias de colunistas são simplesmente irrelevantes. As colunas, em muitos casos, ficam na espuma do processo social. Raramente mergulham mais fundo. Nem é sua finalidade.


Mas o noticiário, esse, sim, importante, não consegue dar uma visão da gravidade das questões, está sempre a reboque dos acontecimentos, embora tenha, em alguns momentos, o mérito de apontar novos e velhos problemas. Isso é relevante principalmente na televisão, e especificamente na TV Globo, que ainda é a mídia mais importante do país. Notar que a mídia não está sozinha no processo de conscientização dos indivíduos. A família e a escola fazem parte dessa articulação, sobretudo nas idades que precedem a criação dos hábitos de exposição aos meios de comunicação.


Querem discutir omissões, vieses, acusações farisaicas, calúnia, injúria, difamação, hipocrisia, conivência com fontes irresponsáveis ou inconfiáveis, ou suspeitas, ideologização, preconceito, preguiça, ignorância, capachismo diante de autoridades, empresários, chefes, patrões? Não falta material. Mas não escamoteiem fatos que maculam o sonho petista. Coragem.


Segunda questão: é lamentável que relativamente poucos jornalistas engajados em redações participem do Observatório. Isso é sintomático, e é mau sintoma. Sintoma de um acanhamento, de uma timidez, talvez de um receio infundado de parecerem “cúmplices” de algo que estaria antagonizando os veículos. Na verdade, o Observatório pode ser valorizado por dar uma contribuição, ainda que modesta, ao aprimoramento dos veículos. E alguns diretores de redação já explicaram que usam ponderações feitas no Observatório em sua batalha diária contra tentativas indevidas de interferência comercial e de outra natureza.


O Observatório da Imprensa fez dez anos de presença regular na internet em 5 de agosto (começou em abril de 1996, sem periodicidade). Foi quando se tornou quinzenal. Meses depois, em outubro de 1996, se não me falha a memória, ele foi hospedado num grande portal, o UOL, de onde migraria mais tarde para outro grande portal, o IG. Ganhou grande visibilidade semanal na televisão aberta (TV Educativa do Rio de Janeiro e Rede Nacional de TVs Públicas) desde maio de 1998. Tornou-se semanal na internet em 20 de janeiro de 2001 e, desde maio deste ano, mudou sua estrutura interna e seu design para promover atualizações diárias. Mas a contagem das edições semanais foi mantida.


Convido o leitor a gastar algum tempo percorrendo as capas, bastam as capas, de edições passadas. Estão na seção Edições anteriores. O tecido de que é feito o Observatório está coberto de críticas a todos os tipos possíveis e imagináveis de falhas da mídia. Dentro da capacidade física e mental dos colaboradores, é claro.


As 405 edições já publicadas formam como um gigantesco mapa das grandezas e misérias da mídia brasileira nesses anos, e também em anos mais recuados, porque há muitos textos de memória do jornalismo.


No momento existe uma pressão contra o Observatório. Ela é salutar. Embora desde o primeiro momento o Observatório tenha pedido e recebido a opinião, o comentários dos leitores, ativando a interação permitida pela internet, desde a criação dos blogs, em maio de 2005, a participação dos leitores se intensificou e se tornou mais contrastada, às vezes mais áspera. O desafio é lidar com essa crescente participação. Não bastaria permitir a publicação de comentários, sem qualquer filtro, como fizeram outros sites onde foram criados blogs. Era preciso ler cada um dos comentários. Em atenção ao leitor. Se possível, consertar-lhes o texto. Em atenção ao leitor. E, sempre, reagir quando o silêncio pudesse ser interpretado como concordância com uma manifestação inaceitável. Em atenção ao leitor. Haja braços!


Mas foi feito. Se a instância não tivesse importância, teria sido deixada de lado, esquecida. Ocorreu, porém, um aumento da atenção dada ao Observatório da Imprensa por diferentes mídias: jornais, revistas, rádio,  


Porque ele não se dobrou a preferências partidárias ou patoteiras, porque seus colaboradores dizem o que acham necessário dizer, em alguns casos uns em divergência com outros.


A pressão é salutar, mas não pode ser contaminada por algum desejo de ferir o Observatório, desqualificá-lo na tentativa de desviar-se de suas críticas. Infelizmente, isso também acontece. Mas não prevalecerá.


Não vai dito aqui que tudo que sai no Observatório é produto da melhor análise, é bom, é correto. Longe disso. Muita coisa provoca discussão e divergência, repita-se. Nem todos os textos têm a mesma qualidade, como em qualquer outra instância de criação intelectual. Mas este momento da trajetória do Observatório deve ser comemorado. É um feito. Não de alguns indivíduos, mas de um grande coletivo que se constituiu, no país inteiro e fora dele, ao longo de 125 meses.


[Ver também: ‘Por que a idéia do complô não funciona‘.]