Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Não há roteiro fácil no debate sobre TV Pública

Estou escrevendo este post ainda sem conhecer o conteúdo da Carta de Brasília, mas sejam quais foram as resoluções finais, o Fórum Nacional sobre TVs Públicas deixou claro que o processo será bastante complicado e tumultuado, o que não é necessariamente sinônimo de fracasso.


É que são tantos e tão complexos os temas em jogo que é irrealista imaginar um consenso imediato. Se o Fórum tivesse que discutir apenas as diferenças entre o que é público e o que é estatal na televisão brasileira, ele já teria muito pano para manga. Mas acontece que esta questão coincide com o debate sobre a implantação da TV digital, o que coloca sobre a mesa uma questão ainda mais complexa porque envolve uma tecnologia que só os especialistas manejam.


Mas a complicação não para aí. O contexto do debate é afetado ainda por correntes de opinião dentro do governo Lula e percepções bastante diversificadas entre os demais protagonistas da reflexão coletiva: televisões comunitárias, emissoras universitárias e situações especiais como a da TV Cultura de São Paulo, que é controlada por uma fundação, da qual participa o governo paulista.


Em torno a tudo isto, circulam grupos de estudos da comunicação que procuram introduzir temas novos no debate sobre e TV pública, como preocupação com minorias, direito à comunicação, democratização do acesso à internet e por aí vai.


Esta combinação tão diversificada de percepções e interesses pode ser administrada de duas formas: uma vertical e outra horizontal. A primeira embute uma forte dose de dirigismo centralizador voltado para a obtenção de resultados rápidos. A segunda coloca a pressa em segundo plano em favor da busca de consensos num ambiente onde a diversidade é estimulada para permitir que novas alternativas possam levar a resultados mais sólidos.


Tanto uma como a outra têm pontos positivos e negativos. A solução vertical parece ser impulsionada pelo Ministro Franklin Martins, da Secretaria Especial de Comunicação, que procura criar o que classifica de TV pública federal, apoiada na fusão da Radiobrás com as TVEs do Rio de Janeiro e do Maranhão.


A lógica do Planalto impõe a busca de resoluções rápidas capazes de materializar resultados até 2010 porque os políticos e principalmente os ministros precisam apresentar realizações para não serem tachados de ineficientes. Mas a pressa aumenta a possibilidade de críticas ferozes da oposição, que teme os efeitos do peso político, econômico e principalmente do uso da maquina publica na montagem da emissora estatal. Portanto, são grandes as chances da discussão sobre TV pública seja contaminada pelo confronto entre governo e oposição.


A solução horizontal, que parece ser a preferida da equipe do ministro da Cultura Gilberto Gil, tem o mérito de permitir um mínimo de aprofundamento do debate numa questão tão complicada, onde julgamentos e decisões apressadas podem custar muito caro tanto em termos políticos como em dinheiro.


Mas isto tomará algum tempo durante o qual a estratégia de buscar consensos será submetida a um duro teste de paciência e perseverança, duas atitudes pouco comuns entre os políticos e governantes tupiniquins.


Seja qual for a estratégia que acabar prevalecendo, ela vai esbarrar  inevitavelmente na questão técnica da passagem de uma televisão analógica (a atual) para uma digital (a nova TV que começa a ser funcionar em dezembro em São Paulo). A migração digital obrigará os protagonistas a ingressar numa área que a maioria desconhece, como ficou evidente nos debates do Fórum.


Os engenheiros e especialistas tem que encontrar uma linguagem comum com os jornalistas, políticos, ativistas e acadêmicos, porque senão o teremos um debate esquizofrênico e que dificilmente chegará a algo positivo.


As decisões no âmbito técnico são muito complexas e fortemente influenciadas por interesses econômicos e políticos. É necessário que todos os protagonistas consigam contextualizar estes interesses para poder tomar a melhor decisão. Caso contrário corremos o risco de comprar uma tecnologia inadequada, ou melhor, comprar gato por lebre.


A experiência de assistir quatro dias de uma verdadeira avalancha de informações sobre a questão da TV pública me deu a certeza de que não há alternativa fácil. Todas elas são complicadas e cheias de riscos.

Se o ritmo for demasiado lento, seremos atropelados pela tecnologia porque a digitalização nas comunicações é irreversível. Se formos rápido demais, teremos uma televisão estatal, porque a sociedade civil não terá tempo para chegar a um acordo sobre qual o sistema que ela deseja e acabará superada pelo rolo compressor do governo.