Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Ninguém nunca me falou disso antes’

Ao risco de ser acusado de fazer propaganda do Valor Econômico, pela frequência com que cito suas matérias, acho imprescindível a leitura da reportagem “Lula conversa com pilotos e ouve queixas sobre a pista”, de Cláudia Safatle, publicada na edição de hoje. Nenhum outro diário importante deu uma linha sobre o encontro, muito menos sobre as queixas dos interlocutores do presidente. Lá vai:

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve, ontem, reunião com três pilotos para ouvir um relato técnico sobre a pista de Congonhas. Lula pediu ao ex-presidente do Sindicato dos Aeronautas, José Caetano Lavorato Alves, de quem é amigo, que convidasse pilotos experientes e sem ligação com o movimento sindical para encontro em seu gabinete. Estiveram no Palácio do Planalto, além de Lavorato, os comandantes Sérgio Quito, da Gol, especialista em segurança de vôo, José Stuppiello e Ricardo Rodrigues Amares, ambos da TAM e pilotos de Airbus. Estava presente, também, o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Os pilotos deram ao presidente um elemento novo na apuração sobre as causas do acidente com o vôo 3054 da TAM. Quito falou sobre os sucessivos recapeamentos da pista 35 – pista principal, que, segundo Lavorato, sempre causou desconforto nos pilotos. Segundo ele, quando há o recapeamento de asfalto, é preciso um prazo de maturação até que se possa fazer as ranhuras (‘grooving’). Durante esse período de maturação, a água, quando chove, se infiltra no asfalto, que começa a soltar uma oleosidade, tornando a pista extremamente escorregadia. Isso o exame da lâmina d´água não detecta.

Há um equipamento, usado nos aeroportos de vários países, inclusive o Ezeiza, em Buenos Aires, que faz o ‘break-action’ (ação de freagem). É um veículo que mede, na pista, a capacidade de freagem naquele momento e repassa as informações para os pilotos. ‘Todos sabem disso, os pilotos, a Infraero’, comentou Lavorato, ao que o presidente reagiu: ‘Ninguém nunca me falou disso antes aqui’.

Foi essa oleosidade, não detectada na medição da lâmina d´água, que foi reportada pelos pilotos à partir do dia 16, antes do acidente com o vôo da TAM, exatamente quando começaram as chuvas. Até então, a pista havia sido reaberta há duas semanas e não havia relato de problemas.

Lula contou que perguntou ao brigadeiro Jose Carlos Pereira, presidente da Infraero, por que a Infraero havia optado pelo recapeamento com asfalto e não com concreto, que seria bem mais seguro. Ele respondeu que não fez, porque é mais caro e demoraria mais. Ao que Lula conta que indagou: ‘Não era preferível esperar um pouco mais?’ A concretagem evitaria o aparecimento da oleosidade, conforme informação dos pilotos.

Os pilotos, segundo relato de Lavorato, descreveram para o presidente as peculiaridades da pista principal de Congonhas. Diferentemente da maioria das pistas, a pista 35 tem, no início da cabeceira, pequeno aclive seguido de suave declive. No topo dessa elevação está a área de toque, onde o piloto deve iniciar o pouso. Se a aeronave toca numa área posterior, o pouso tende a se alongar mais do que deveria. ‘Todo piloto sabe que é preciso ter mais atenção quando o pouso é na pista 35. Se tenho uma pista molhada e ela é a 35, há certo desconforto por parte dos pilotos’, explica Lavorato.

Ele conta que essa pista sempre foi problemática. Em 1981 o Sindicato dos Aeronautas fez um movimento exigindo que se fizesse o ‘grooving’. Aquelas foram as primeiras ranhuras da pista de Congonhas. Ao longo dos anos, o aeroporto intercalou períodos em que havia ‘grooving’ com outros em que a pista era lisa. De lá para cá, porém, as aeronaves mudaram e os parâmetros de segurança também foram se alterando.”

P.S. Qual é a graça?

A sensibilidade que faltou ao presidente Lula, ao pontilhar de gracejos o seu improviso na posse ao novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, uma semana depois da catástrofe de Congonhas que o levou a declarar luto oficial, sobrou ao Globo pelo estalo de dar na primeira página da edição de hoje, sob o título ‘Alegria de Brasília’, um bloco de quatro fotos do acontecimento. Elas mostram, uns rindo, outros gargalhando, o próprio Lula, o ex-ministro Waldir Pires, o seu sucessor, o comandante da Aeronáutica Juniti Saito e o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia.

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