Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

No caso Calheiros, o escândalo maior omitido

Na chamada grande imprensa, apenas o Estado, ao comentar a denúncia das incursões clandestinas do presidente do Senado, Renan Calheiros, pelo negócio da mídia, lembra hoje que ‘pelo menos 1 em 10 deputados e pelo menos 1 em 4 senadores controlam, direta ou indiretamente, concessões de rádio e TV’.

O novo escândalo envolvendo Calheiros parece até aqui uma oportunidade desperdiçada para a imprensa jogar o foco sobre aquele escândalo muito maior, difundido e antigo.

Como o Estado assinala, ‘a lei proíbe a deputados e senadores, sob pena de perda de mandato, ter vínculo com empresas concessionárias de serviço público – a exemplo de órgãos de mídia eletrônica’.

A fonte da informação sobre a amplitude do coronelato eletrônico – citada no primeiro comentário do jornal a respeito, em julho do ano passado – é um levantamento produzido e coordenado pelo professor Venício A. Lima, da Universidade de Brasília, a pedido do Instituto Projor, entidade mantenedora do Observatório da Imprensa.

Cruzando os nomes dos sócios e diretores de empresas de comunicação com os dos atuais deputados, o estudo descobriu que 51 deles detêm ilegalmente concessões de rádio ou TV. ‘O número real’, observou o Estado à época, ‘é decerto bem maior, dado o ´fator laranja´.’

Diretamente, ou acobertados por familiares, laranjas e testas-de-ferro, os políticos figuram entre os principais donos das mais de 4 mil emissoras de rádio e televisão autorizadas a operar no país.

Em 2004 [último ano pesquisado], dos 33 titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, 15 eram sócios ou diretores de 26 emissoras de rádio e 3 de televisão. Cabe à comissão homologar novas concessões, aprovar a renovação das já existentes e se pronunciar sobre projetos relativos ao setor.

Depois de acompanhar a tramitação de 762 processos, informou o jornal, o professor Venício apurou que até agosto de 2005 não se tinha notícia de qualquer pedido de outorga ou renovação ‘que não tenha sido aprovado pelo Congresso Nacional’.

P.S. A rota reação de Renan

O senador Renan Calheiros tentou revidar à reportagem da Veja que revela ser ele sócio de duas rádios em Alagoas, dirigidas, no papel, por um filho e um primo, com um truque mais velho do que andar para a frente.

Sem desmentir uma palavra da matéria, acusou a revista de pegá-lo ‘como cortina de fumaça’ para ‘deixar na obscuridade um negócio de R$ 1 bilhão que é a venda da TVA, da Editora Abril, a uma empresa internacional’ [a Telefônica].

Não se vê relação entre uma coisa e outra, mas passemos.

O antiquíssimo truque revivido pelo político alagoano é buscar desqualificar o acusador para desqualificar a acusação.

No caso concreto, muita gente concordará com o senador – que o procurador-geral da República quer ver processado no Supremo Tribunal Federal – quando ele afirma que a Veja não tem ‘limites éticos’. Mas, tendo ou não, o fato é que essa reportagem em particular, já considerada ‘a gota d´água para Calheiros’, é uma construção jornalística solidamente alicerçada em fatos.

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