Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

No ´dia de Dilma´, muito pouco PAC

Dia de unanimidade na imprensa: nenhum grande jornal deixou de destacar hoje o principal acontecimento político de ontem – o que a colunista do Globo Miriam Leitão resumiu em quatro palavras, no título de seu artigo:

“O dia de Dilma”.

Dia que começou cedo. Logo no início do depoimento de nove horas da ministra da Casa Civil à Comissão de Infra-Estrutura do Senado, o senador Agripino Maia – que “só podia estar dopado”, na avaliação de seu colega de DEM, Demóstenes Torres – deu-lhe motivo para lembrar as torturas sofridas, aos 19 anos, nos porões da didatura. A mesma ditadura que o arenista, depois pefelista Agripino Maia, apoiava plenamente.

Tentando ser mais esperto do que a esperteza, Maia cometeu uma torpeza. Citando uma entrevista em que Dilma contou ter mentido muito na cadeia, ele insinuou que o caso do dossiê dos gastos palacianos no primeiro governo Fernando Henrique seria indício de volta ao “Estado policialesco”, ao “regime de execeção”.

Terminou por pedir que ela não mentisse à comissão, como fizera no passado.

Tomou uma traulitada que o deixou mudo e quedo:

Não é possível supor que se dialogue com pau-de-arara ou choque elétrico. Qualquer comparação entre a ditadura militar e a democracia brasileira só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira .Eu tinha 19 anos. Fiquei três anos na cadeia. E fui barbaramente torturada, senador. Qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para interrogador compromete a vida dos seus iguais. Entrega pessoas para serem mortas. Eu me orgulho muito de ter mentido, senador. Porque mentir na tortura não é fácil. Na democracia se fala a verdade. Na tortura, quem tem coragem e dignidade fala mentira. E isso, senador, faz parte e integra a minha biografia, de que tenho imenso orgulho. E completou: — Agüentar tortura é dificílimo. Todos nós somos muito frágeis, somos humanos, temos dor, a sedução, a tentação de falar o que ocorreu. A dor é insuportável, o senhor não imagina o quanto.”

E não deixou de registrar, afiadamente, que “certamente nós estavamos em momentos diversos de nossas vidas políticas”.

A partir daí, registram em coro os diários de hoje, a oposição desmornou. “Estratégia dos oposicionistas fracassa e ministra nem precisa da proteção dos aliados ao depôr à comissão”, reconhece o Estado, debaixo do título que atribui a Dilma o sepultamento da crise do dossiê no Senado.

Os aliados da ministra deram-lhe todos os aplausos a que tinha direito. Os repórteres que cobriam o evento – e mesmo os comentaristas online que o acompanhavam pela GloboNews – ficaram tomados de emoção e passaram isso nos seus relatos e análises.

Muito bom saber que, seja lá o que possa colocar em campos opostos os jornalistas brasileiros hoje em dia, a esmagadora maioria deles sente em relação ao regime dos generais de 1964 o “horror e nojo” de que falava o velho Ulysses Guimarães.

Acachapada, a oposição perdeu o gás para investir contra ela pelo dossiê. E só aqui e ali contestou a versão do governo que o PAC vai de vento em popa.

“Ao falar do PAC, [Dilma] voltou a ser a técnica que cita megawatts, quilômetros, números, rios, barreiras”, observa na Folha a colunista Eliane Cantanhêde, no artigo “Dossiê? Que dossiê?”. “Ninguém estava de fato prestando atenção, e ela, se não ganhou nada, também não perdeu nada nessa parte.”

“Estava naturalmente pisando em seu próprio terreno”, completa, na coluna ao lado, o editorial “Revés da oposição”. A Folha, aliás, foi o único jornal agil o suficiente para editorializar o depoimento na edição de hoje.

Mas se a ministra não perdeu nada nessa parte, o leitor sim.

Faltou PAC no noticiário. Mesmo na matéria do Valor Econômico, a sigla foi citada apenas seis vezes. No Globo, quatro. No Estado, duas. Na Folha, duas também.

Numa delas, com esse primor de desinformação:

“A maior parte dos questionamentos, até mesmo da oposição, foi sobre obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Sobre isso, a ministra ouviu as críticas mais duras, todas rebatidas ponto a ponto.”

Quais críticas? Rebatidas como? Azar do leitor que não pôde ou não quis passar a maior parte da véspera diante da TV.

Azar – e muito. Porque, entre os comícios de Lula, os ataques da oposição, e o noticiário tópico dos jornais, há uma controvérsia sobre a qualidade e o andamento do programa. A ida da “mãe do PAC” ao Senado deveria ter estimulado a imprensa a debulhar a polêmica.

Dias atrás, a própria ministra, falando em Santa Catarina, disse que “o que trava o PAC é a qualidade dos projetos que nós herdamos. Nós não herdamos nem na área de energia, nem de logística, isso vale para rodovia, ferrovia, aeroportos”.

E hoje, o único comentarista a agitar a questão foi Merval Pereira, no Globo. Depois de escrever que a ministra “saiu-se vitoriosa no debate”, emendou:

“O PAC nada mais é do que um amontoado de obras e investimentos que já estavam previstos ou em andamento, sem nenhum tipo de planejamento estratégico os unindo. E em muitos casos nem isso é, como demonstrou o senador Tasso Jereissati citando obras no Ceará, seu estado, que não existem; ou, como o senador Heráclito Fortes mostrou, obras que já existem há anos sendo inauguradas ou lançadas como se fizessem parte dos projetos deste governo.”

Do contraditório, nenhuma palavra nos jornalões do dia.