Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O custo e o benefício de ler os leitores

O colunista Clóvis Rossi, da Folha, teve uma boa idéia para ocupar o seu espaço de hoje: produzir uma pensata sobre o que mudou nos anos recentes na relação entre os jornalistas, em especial os com redação própria [a expressão, que no caso é minha, costuma designar os profissionais que têm o privilégio e a responsabilidade de manifestar opiniões pessoais na mídia], e os seus leitores.

O assunto é rico. Antes da internet, compara Rossi, citando um jornalista europeu, “o trabalho do jornalista assemelhava-se ao ato do náufrago que coloca uma mensagem na garrafa e a lança ao mar. Não sabe se a garrafa chegou a algum lugar, a qual lugar, se a mensagem foi lida, se foi entendida, como foi entendida.”

Isso mudou radicalmente – e cada vez mais intensamente, acrescento – desde que, tendo acesso ao endereço de e-mail do mensageiro, o público passou a lhe “dar retorno”, como se diz em mau português, muitas vezes em cima da bucha.

A constatação está longe de ser nova, nem nela reside a boa idéia que atribuí ao veterano Rossi, repórter de classe mundial e talvez o mais cético analista da imprensa brasileira.

O que dá o que pensar é a sua revelação de que, ao adotar a Folha o hábito de publicar o e-mail dos seus comentaristas, ele se queixou de estar “perdendo duas horas por dia, em média, para ler e responder a correspondência”.

Mas, em pouco tempo, ele reviu o verbo, como escreve. “Em vez de `perder´, sei agora que `invisto´duas horas nesse diálogo. Descobri também que, na troca de idéias com o leitor, ganho eu”, afirma.

Não fosse Rossi rabugento e sincero como é, se poderia imaginar que estava dando, com essas palavras, uma barretada aos seus leitores. Mas não é disso que se trata, como deixa claro ao se voltar em seguida contra os “idiotas de plantão que escrevem tonelada de asneiras”, que já desistiu de ler e responder.

Como blogueiro, sei perfeitamente do que ele está falando.

Já os outros leitores, “a grande maioria”, assegura, “aporta informações que estão fora do radar da mídia, vê ângulos que mesmo olhos treinados de sociólogos deixam passar e acima de tudo expressa sentimentos que o mundo político parou de processar faz tempo”[grifo meu].

Com experiência pessoal no gênero imensamente inferior à dele, me faltam elementos para bancar a tese de que a vista da grande maioria dos leitores é mesmo tão apurada. Mas é impossível discordar da dissintonia entre o sentimento dos leitores que se exprimem e o dos políticos em geral.

Por isso Rossi diz que os primeiros formam “uma multidão de outros náufragos” – os desiludidos da política.

A “grande conversação”

Escrevi acima que o assunto é rico e, acrescento, mais complexo para ser plenamente coberto num único comentário.

Decerto por isso, faltou Rossi tratar de outro aspecto crucial da mudança de que se ocupa. Antes da nova tecnologia da informação, a única indicação sistematicamente ao alcance do jornalista-náufrago sobre a repercussão de suas mensagens era a das cartas que chegavam ao jornal ou revista onde escrevia.

Ele pelo menos tinha – e tem – acesso a todas as cartas provocadas por seus textos. Não é nada, não é nada, é alguma coisa. Já o leitorado tinha – e tem – acesso apenas às cartas publicadas; e, ainda assim, de forma resumida.

Na chamada blogosfera, isso acabou. Pela própria natureza do meio, os leitores deste texto lerão também os eventuais comentários que ele tiver suscitado – exclusive aqueles que contiverem termos literalmente impublicáveis.

Mais: os leitores-comentaristas poderão comentar os comentários alheios – e todos poderão ser interlocutores ou espectadores dessa “grande conversação”, como dizem os teóricos do bloguismo.

Talvez seja cedo para avaliar o efeito cumulativo dessa interação. Mas é muito provável que algum efeito (no singular ou no plural) ela produzirá – embora às vezes me assalte a idéia pessimista de que a maioria já tem a cabeça feita e a interlocução acaba servindo principalmente para cada qual repetir os seus pontos de vista, não raro com contudência crescente.

De qualquer forma, esse é um preço plenamente aceitável a pagar pelas perspectivas que a nova mídia oferece aos seus frequentadores, de ambos os lados do balcão eletrônico. Apesar dos “idiotas de plantão” mencionados por Clóvis Rossi.

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Serão desconsideradas as mensagens ofensivas, anônimas e aquelas cujos autores não possam ser contatados por terem fornecido e-mails falsos.