Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O destaque fala por si

Impressionante nos jornais de hoje o banho de qualidade dado pela Folha no tratamento de duas notícias sem a mais remota relação entre si, a não ser a importância global da primeira e a importância potencial da segunda.

A primeira, naturalmente, trata dos históricos resultados eleitorais nos Estados Unidos.As seis páginas que a Folha dedicou ao assunto ganham de goleada do que a concorrência fez no mesmo campo. A começar pela composição da primeira página do seu caderno internacional, com um ‘NÃO!’ de 5,5 cm de altura, ao lado de um Bush cabisbaixo.

Melhor ainda, para o leitor brasileiro, foi a cobertura do jornal dos Frias, ocupando além da metade de página ímpar (que atrai mais a atenção), do segundo acontecimento – o início do julgamento do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado da prática de torturas quando comandava o infame DOI-Codi do então II Exército, em São Paulo.

É a primeira vez que um funcionário público, no caso um agente da ditadura militar, e não o Estado, abstratamente, responde a processo por atos de violência contra presos políticos.

O processo, movido por uma família, é de natureza civil. Pede que a Justiça reconheça que os autores da ação sofreram o que sofreram nas mãos do notório coronel Ustra. Não pede – nem poderia pedir, por causa da Lei de Anistia, de 1979 – que o réu os indenize ou vá para a cadeia.

O ideal seria que a lei fosse revogada, como na Argentina, e os torturadores, julgados e condenados. À falta disso, ações como essa servem como reparação moral às vítimas e identificação e execração dos seus algozes.

Se o processo contra Ustra for adiante, como é de desejar, outros tantos poderão ser abertos, permitindo às novas gerações um vislumbre do que foram os porões da repressão do regime instaurado pelo golpe de 1964.

O próprio destaque dado pela Folha ao caso é uma forma de apoiar a iniciativa reparadora de direitos humanos violados. É a tal situação em que, sem precisar dizê-lo, um órgão de imprensa se engaja na defesa da busca da verdade – a sua permanente razão de ser.

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