Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Efeito ‘snowfall’ abre oportunidades para o jornalismo multimídia

“Snowfall” (nevasca, em português) era apenas o nome de um fenômeno natural, depois virou tema marca de uma tragédia, em seguida de uma premiada reportagem multimídia, acabou virando gênero jornalístico e agora pode ser o ponto de partida para a mais ousada de todas as apostas de um jornal convencional na busca da sobrevivência como empresa.

O projeto multimídia desenvolvido pelo jornal The New York Times conta de forma inovadora o desenrolar de uma avalancha de neve no estado de Washington, no extremo norte dos Estados Unidos, em fevereiro de 2012, e que matou três dos 16 atletas profissionais que praticavam snowboard nas encostas nevadas do vale Tunnel Creek, nas montanhas Cascade.

O jornal decidiu reconstituir a tragédia por meio de uma narrativa multimídia usando os recursos de áudio, vídeo, animações e texto para colocar o internauta dentro da avalancha de neve. A versão final divulgada em dezembro de 2012 recebeu aclamação mundial, em 2013 ganhou o prêmio Pullitzer e passou a ser considerada um modelo para a produção de reportagens multimídia.

Snowfall virou também uma espécie de jargão jornalístico para identificar a combinação ideal de canais de comunicação numa narrativa online, graças à rara felicidade do produtor John Branch em usar o recurso certo para a situação adequada na hora de contar a história da avalancha. 

A repercussão foi tanta que a própria editora chefe do Times, Jill Abramson, admitiu que o projeto Snowfall foi decisivo para que o jornal resolvesse tocar para valer a sua nova estratégia editorial de valorização do vídeo e da multimídia na produção jornalística. É o primeiro grande jornal norte-americano a apostar na complexa produção de reportagens com recursos multimídia.

O primeiro resultado concreto da nova estratégia surge agora com o documentário “The Voyage of the MOBRO 4000” (A viagem da MOBRO 4000), sobre a barcaça carregada de lixo que vagou por diversos portos norte-americanos em 1987. É o primeiro de uma série de documentários com 10 a 15 minutos de duração que o jornal disponibilizará gratuitamente em sua página web. Todos eles abordarão os desdobramentos presentes de temas polêmicos do passado recente nos Estados Unidos.

O Times está tão empenhado na aposta multimídia que decidiu suspender o paywall (acesso pago) às matérias baseadas em vídeo. A opção pela narrativa jornalística multimídia é um velho sonho dos pioneiros da internet que vislumbraram a possibilidade de combinar áudio, imagens (estáticas e animadas) com texto para criar reportagens em que o internauta passa a ter um papel ativo, seja rearrumando as diversas peças da narrativa segundo seus desejos, seja interagindo com os autores e protagonistas por meio de mensagens em texto, áudio ou imagens.

Só que a proposta nunca passou da etapa experimental por causa do alto custo de produção e da necessidade de pessoal especializado. Mas os pesquisadores da comunicação pela internet sempre colocaram a opção multimídia como o formato ideal para o jornalismo na era digital. Agora o The New York Times resolveu transformar o sonho numa estratégia editorial destinada a criar diferenciais capazes de assegurar a sua sobrevivência econômica.

O Times já havia tentado antes a opção audiovisual no jornalismo, quando em 2002 associou-se ao Discovery Channel para produzir a série “Discovery Civilization”, sobre temas históricos, mas a parceria foi desfeita em 2006 por falta de retorno financeiro. O jornal não desistiu do vídeo e continuou produzindo pequenas peças que aos poucos foram ocupando cada vez mais espaço na sua programação online.

O que está acontecendo na prática é a polêmica convergência de canais de informação, muito teorizada mas com resultados práticos inconclusivos. Os mais saudosistas se queixam que o Times está se transformando cada vez mais num telejornal.

A nova sequência de documentários ainda está longe de seguir a linha do projeto Snowfall, mas não há dúvida de que o sucesso da multimídia como narrativa jornalística envolvente quebrou muitas resistências dentro do jornal contra a opção audiovisual. Numa palestra recente em Austin, Texas, durante o Simpósio Internacional de Jornalismo Online, Jill Abramson admitiu que o seu jornal ainda não está capacitado para produzir reportagens multimídia em série, mas deixou claro que esta é a direção.