Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O governador é um artista

É um espetáculo a entrevista do governador Cláudio Lembo à repórter Monica Bergamo que ocupa uma página inteira na Folha de hoje.

A jornalista foi para cima dele com as matanças da PM em São Paulo. “A polícia está sob controle ou está partindo para uma vingança?”, começou.

E continuou apertando o cerco a cada tentativa do entrevistado de desmentir o indesmentível – o pogrom de dezenas de “suspeitos”, em “confrontos” nas últimas duas noites em São Paulo.

Até que, na quinta pergunta, Lembo virou o placar – e ganhou o jogo – com um lance à altura do gol de Belletti contra o Arsenal, que deu a Copa dos Campeões da Europa ao Barcelona.

”O senhor não se assusta com o número de mortos?”, cobrou a entrevistadora.

Para quê! “Eu me assusto com toda a realidade social brasileira”, rebateu o governador, antes de enveredar por uma diatribe contra a mentalidade da “minoria branca” [sic] que rendeu não só o título da entrevista, mas a manchete do jornal.

A partir daquela quinta pergunta, o assunto mais importante do dia – a barbárie policial em nome da lei e da ordem – sumiu da entrevista. O pingue-pongue virou uma discussão sociológica, às vezes cáustica, sobre as causas profundas da criminalidade em uma dezena de perguntas e respostas. Em outras seis, Lembo falou mal de Fernando Henrique, expôs o silêncio de José Serra e ironizou o ex Geraldo Alckmin. O resto foi o resto.

Os melhores momentos:

”Essa piada é minha” [quando a repórter comentou que Lembo está num partido, o PFL, no poder desde que, “dizem”, Cabral chegou ao Brasil.]

”Na sua linda casa, dizem [os empresários e celebridades entrevistados dias antes pelo jornal] que vão sair às ruas fazendo protesto. Vai fazer protesto nada! Vai é para o melhor restaurante cinco estrelas…”.

”Nossa burguesia devia é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país.”

”[O Brasil] é um país cínico. O cinismo nacional mata o Brasil.”

”Se não mudarmos o cerne da minoria branca brasileira não vamos a lugar nenhum.”

”Eu acho normal. Os pulsos telefônicos são tão caros…” [quando perguntado se achou pouco ter recebido dois telefonemas de solidariedade do ex-governador Alckmin].

”E aí uma sociedade que gosta de paternalismo, como a brasileira, queria Exército, tropas americanas, tropas alemãs, tropas de todo mundo aqui.”

Depois de cinco anos de picolé de chuchu, com Cláudio Lembo os paulistas terão até dezembro no Palácio dos Bandeirantes o seu avesso.

O homem é um artista.

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