Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O ‘paradoxo do buraco de rua’ e o futuro do jornalismo

As notícias mais importantespara nós provavelmente nunca serão publicadas nos jornais ou divulgadas pelas emissoras de rádio e TV. Esta é a essência do que o escritor norte-americano Steven Johnson chamou de “pothole paradox” (paradoxo do buraco de rua) no seu livro The Future Perfect (Riverhead Books. Nova York, 2012).

O paradoxo está no fato de que uma notícia como a de que finalmente vai ser feito o conserto do buraco que o obriga a dar a volta no quarteirão para chegar em casa, ou a de que seus vizinhos vão pedir a mudança do ponto de ônibus da rua, dificilmente sairá na imprensa, embora seja relevante para os interessados.

São notícias de fatos e eventos que estão muito mais próximos de nós e consequentemente nos interessam muito mais do que a crise financeira em Chipre ou a morte um soldado escocês no Afeganistão. Mas a agenda da imprensa vai, paradoxalmente, no sentido contrário justo no momento em que os jornais, revistas e noticiários de rádio e TV lutam desesperadamente por leitores de audiência.

O paradoxo do buraco de rua é real, não porque os jornalistas sejam incapazes de identificar os interesses do público (embora a rotina possa levá-los a esta situação), mas porque o modelo de produção de notícias adotado pela indústria da comunicação torna inviável a publicação do conserto de um buraco de rua que interessa apenas a quatro ou cinco famílias.

O modelo de negócios da imprensa tradicional está baseado na produção em massa de notícias, ou seja, uma notícia só gera retorno econômico se for vendida para o maior número possível de pessoas. Isso faz com que ela necessariamente seja o mais geral possível, deixando de contemplar as necessidades e desejos individuais dos leitores.

Um jornal é uma linha de montagem de notícias, seguindo mais ou menos o mesmo modelo de uma montadora de automóveis, que produz carros visando ao grande público e não às preferências ou necessidades individuais.

O pothole paradox, de Steven Johnson, tornou-se relevante porque a internet alterou a regra dos desejos pessoais. A tecnologia digital tornou possível a produção do jornal personalizado, que Nicholas Negroponte batizou de Daily Me, há quase 20 anos (ver detalhes aqui). O conserto do buraco de rua passou a ser uma notícia possível de ser publicada na página web dos moradores da mesma forma que a mudança do ponto de ônibus não só pode ser noticiada, mas até discutida pelos interessados e a empresa responsável.

O paradoxo do buraco de rua é um dilema a ser enfrentado não só pelos jornalistas mas também pelos empreendedores jornalísticos. O sistema atual não atende mais aos interesses dos leitores e nem à necessidade de retorno financeiro de quem precisa viabilizar o negócio da venda notícias.

A multiplicação dos projetos de noticiário local e hiperlocal é um indício de que os jornalistas estão tentando descobrir novas fórmulas de atender à crescente demanda do público por notícias relacionadas às necessidades de seu dia a dia. Mas os fracassos são mais frequentes que os casos de sucesso, porque a busca de fórmulas financeiras e administrativas para viabilizar as iniciativas dos jornalistas (profissionais e amadores) está se revelando muito mais complicada e difícil.

Nos projetos pessoais ou de pequenos grupos, as iniciativas sobrevivem enquanto durar a capacidade dos jornalistas de conciliar um trabalho não remunerado com um emprego ou atividade assalariada. O momento da verdade surge quando o interesse e a cobrança dos leitores aumentam muito em consequência do sucesso do projeto – e os jornalistas enfrentam a dura decisão de escolher entre o salário ou a satisfação profissional. A maioria acaba escolhendo a primeira opção.

Mas os grandes investidores também vivem um drama, como o do outrora todo poderoso conglomerado AOL (America Online), que fracassou redondamente em seu ambicioso projeto Patch, uma rede de páginas noticiosas locais e hiperlocais nos Estados Unidos. Hoje a empresa, além de acumular prejuízos financeiros e promover sucessivas reduções de pessoal, virou uma espécie de Judas dos internautas em pequenas cidades norte-americanas.

Não há ainda uma solução à vista. Minha aposta é a de que ela provavelmente será encontrada na parceria interativa entre jornalistas e a comunidade, combinando remuneração monetária (assinaturas e subsídios) e não monetária (trocas). É apenas uma aposta baseada mais em impressões (feelings) do que em fatos e convicções. Talvez a única certeza seja a de que ninguém descobrirá a fórmula sozinho.