Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O mea-culpa de Mangabeira Unger

Ponto para a Folha pela primeira entrevista de um jornal brasileiro com o filósofo do direito Roberto Mangabeira Unger, o professor da Universidade Harvard que em 2005 pediu o impeachment do presidente Lula, em 2006 participou de sua campanha e neste ano virou o 37º ministro do segundo mandato, como titular da recém-criada Secretaria de Ações de Longo Prazo.

Na entrevista ao repórter Plínio Fraga, em Cambridge, Massachusetts, onde trabalha e reside, Unger guardou-se de repetir a tosca versão para a reviravolta, espalhada pelo o senador Marcelo Crivella, segundo violino do PRB a que o intelectual se filiou. [O primeiro é o vice José Alencar, que articulou a filiação.]

Crivella argumentou, com a maior cara-de-pau, que Unger, vivendo fora do Brasil, se pautou apenas pelo que a imprensa da terra dizia do presidente, no bojo do escândalo do mensalão. Mais bem informado, mudou de opinião. Simples assim.

Na entrevista, o filósofo se justificou – ‘não sou museu, estou vivo; posso rever minhas idéias -, bateu no peito dizendo que errou e foi ‘injusto’ com Lula, atribuiu o erro ao ‘calor do embate’, teorizou que ‘o ardor precisa ser qualificado pela humildade, pela dúvida, pela abertura de espírito’ e cobriu Lula não mais de impropérios, porém de elogios:

‘Ao convidar a mim, que combati com veemência o seu primeiro governo, o presidente demonstrou magnanimidade, que costuma ter duas raízes: força interior e preocupação com o futuro. O mesmo presidente que eu havia atacado em termos tão veementes me convida para participar dessa obra de transformação. Eu posso dizer não? Essa é uma concepção moral em política que eu não compartilho.’

Há, como diriam os colegas do professor, um non sequitur nesse raciocínio. Afinal, se Unger afirma que errou e foi injusto com Lula, não deveria se sentir diante de nenhum dilema moral para aceitar o convite do magnânimo presidente que desde o ano passado já sabia de sua auto-crítica.

A concepção de moral política da qual Unger não compartilha só entraria em cena se ele ainda achasse que o governo Lula foi o mais corrupto da história, como escreveu. Mas, por rejeitar a concepção, não teria impedimentos éticos para não participar da ‘obra de transformação’ à qual foi chamado a contribuir pelo presidente ‘possuído’, de mais a mais, ‘por um sentimento de tarefa’.

Agora, inconvicente mesmo foi o seu palavreado para explicar por que tirou da internet o artigo publicado na Folha em novembro de 2005, pedindo a destituição de Lula:

‘É documento de combate. […] A indagação que se põe é se eu devo continuar a divulgá-lo quando não mais expressa a minha posição. A resposta é que não devo. Seria irresponsável, frívolo, imoral, manter o texto. […]

Sem todo esse lero-lero, outro intelectual, Fernando Henrique Cardoso, deu o dito pelo não dito com uma recomendação pá-pum, num jantar com empresários: ‘Esqueçam o que escrevi.’

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