Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O nome do problema são as palavras

Não resiste a uma brisa a resposta da Folha ao leitor Pedro Gabriel Delgado que cobrou do jornal ‘uma explicação’ depois da reportagem da Carta Capital sobre as fotos do dinheiro do dossiê [ver o comentário anterior, ‘O vídeo, divulgado. O áudio, ocultado’].

O leitor lembra que a revista ‘aponta uma manipulação de imagens na primeira página da edição da véspera do pleito e uma omissão de informações sobre as fotos e o processo de investigação da Polícia Federal’.A resposta do Folhão:

‘A Constituição brasileira garante o direito do sigilo da fonte. Por isso, a Folha não publicou o nome do delegado que vazou as fotos, já que elas foram obtidas com esse compromisso. No dia seguinte, o próprio delegado assumiu publicamente a responsabilidade das fotos aos jornalistas, o que foi registrado com menção na primeira página. Nesse mesmo dia, a Folha também publicou as opiniões do governo e do PT sobre o episódio. A publicação das fotos tinha evidente interesse público.’

Mas nem o leitor, nem os críticos do comportamento da mídia no caso reclamam do cumprimento do compromisso de preservar a identidade da fonte. De minha parte, reitero ainda que a publicação das fotos tinha, sim, evidente interesse público, por serem elas o registro material da armação de uma baixaria que o presidente Lula considerou ‘abominável’.

Ainda mais agora que o presidente da CPI dos sanguessugas, deputado petista Antonio Carlos Biscaia, declara não ter ‘a menor dúvida de que a origem do dinheiro é criminosa’.

Do ponto de vista jornalístico, a publicação não poderia ser tolhida pelos seus presumíveis benefícios ou prejuízos eleitorais. O dinheiro é autêntico, as fotos também – e não foi a imprensa que montou a Operação Tabajara. Quem pariu Mateus, diz o povo, que o embale.

Só que o problema é completamente outro – e duvido que a Folha não saiba disso.

Eram e continuam a ser também de interesse público as circunstâncias do vazamento das imagens, algo não menos importante do que elas próprias, dada a decisão atípica da Polícia Federal de escondê-las e dado o que os repórteres ouviram – e gravaram – de quem lhes entregou o DVD.

Porque o delegado vazador não disse, por exemplo: ‘Aqui estão as fotos que os meus colegas estão sonegando e que eu acho que a sociedade tem o direito de ver. Façam delas o uso que considerarem adequado. Mas o meu nome não pode aparecer. Passar bem.’

O que ele disse – e também vazou – foi muito além. Avisou que contaria aos superiores que o DVD foi roubado de sua escrivaninha, porque jornalistas fazem essas coisas. Disse também que esperava ver as fotos no Jornal Nacional daquela mesma noite. Teria dito ainda que queria ‘f…’ com a candidatura Lula.

Para o leitor, a divulgação dessas palavras – mesmo sem a identificação de quem as falou – daria o contexto para ele se situar diante da notícia.

Para a imprensa, a divulgação, acionando os seus motores de busca, legitimaria ir atrás de uma grande matéria: a briga de foice dentro da Polícia Federal em torno do assunto. O que, por sua vez, poderia conduzir, ou não, a uma matéria ainda mais importante – sobre a eventual participação de setores da PF, ou de outras agências públicas, na história do dossiê.

Invocar o compromisso do anonimato assumido com a fonte para ‘omitir informações sobre as fotos e o processo de investigação da Polícia Federal’, como escreveu o leitor da Folha, soa a embromação.

No jornalismo, o sigilo da fonte não se estende às suas palavras. Todo santo dia, os jornais estão cheios de citações entre aspas de personagens mantidos no anonimato.

A Folha quer que se acredite na falsidade de que o nó da questão é ‘o nome do delegado’. Quem se gaba de ter o rabo preso com o leitor mostra assim que na prática a teoria é outra.

P.S.

O Roda Viva de ontem com o candidato Lula teve dois grandes momentos.

Um, quando Renata Lo Prete, da Folha, lhe perguntou, sobre o dossiê que o acabou prejudicando porque deu errado: ‘Mas, e se tivesse dado certo?’

Dois, quando Lourival Sant´Anna, do Estado, levantou a questão dos R$ 5 milhões da Telemar para a Gamecorp, a empresa de seu filho Fábio Luis, o Lulinha.

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