Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que não se pergunta aos perguntadores

A seu modo, a colunista Dora Kramer levanta no Estado de hoje uma questão que parece nunca ter passado pela cabeça de um repórter:

Por que os institutos de pesquisas fazem certas perguntas?

Ela se refere à inclusão, na série de levantamentos do Instituto Sensus para a Confederação Nacional dos Transportes sobre a popularidade dos presidentes brasileiros, de uma pergunta e de uma alternativa relacionadas com algo que não só não existe legalmente, como o presidente Lula não se cansa de dizer que não quer que exista: o terceiro mandato.

A 2 mil brasileiros de 136 cidades em 24 Estados, o Sensus perguntou:

”O sr. (a) é a favor ou contra a alteração na Constituição do país possibilitando que Lula se candidate à Presidência da República pela terceira vez consecutiva?”

Metade dos entrevistados respondeu “a favor”, 45% responderam “contra” – e o resultado, na mídia inteira, puxou o noticiário sobre mais essa sondagem que confirma a posição do presidente nos píncaros da popularidade [57,%% avaliam o seu governo como positivo e 69,3% aprovam o seu desempenho pessoal].

Pode-se argumentar que a pergunta é legítima porque existem no Congresso embriões de projetos de emenda constitucional para introduzir a mudança que Lula repele e da qual se beneficiaria.

É verdade que nenhum desses projetos obteve o número mínimo de adesões para começar a tramitar. Mais ainda: se obtiver, é quase certo que não irá a lugar algum, porque dependeria, como se sabe, dos votos de 3/5 dos parlamentares na Câmara e no Senado, e em duas votações. Na Câmara, onde o governo tem maioria, o próprio líder do PT, Maurício Rands, já disse que a bancada votaria contra. No Senado, onde a maioria do governo é movediça, aí não passaria mesmo.

Mais estranha ainda, em todo caso, foi a decisão do Sensus de incluir entre os cinco cenários traçados para a sucessão presidencial um em que o candidato da oposição seria José Serra e o do governo – Lula. [O presidente bateria o governador por 51,1% a 35,7%, repetindo aproximadamente o desfecho do segundo turno de 2002.]

Escreve Dora Kramer que a pergunta e a alternativa eleitoral “são duas questões virtuais” e “se prestam a suspeitas sobre as intenções metodológicas [sic] da pesquisa”.

Ou, como acrescenta, “por que tratar do que não existe?”

As “intenções metodológicas” do Sensus podem ser as mais puras possíveis. Mas perguntar não ofende – e é pena que a nenhum jornalista envolvido com o noticiário da pesquisa tenha ocorrido pedir ao diretor do instituto, Ricardo Guedes, uma palavra sobre o assunto. Até para dissipar, entre os leitores, eventuais dúvidas como as que manifestou Dora Kramer.

À parte esse caso específico, já era tempo de a imprensa ir além de publicar resultados de pesquisas políticas e buscar junto “aos suspeitos de sempre” – no bom sentido, no bom sentido – as devidas interpretações.

Pois, se a imprensa considera que o leitor deve ser informado sobre os números e eventuais significados dos levantamentos, por que não oferecer-lhe também o que se chama, na expressão um tanto pedante, a “leitura crítica” do trabalho dos institutos?

Além disso, decerto se sabe nas redações que, com motivo ou sem, muita gente desconfiia das pesquisas – não dessa ou daquela em particular, mas de todas.