Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O tiroteio na Virginia Tech muda rumos da cobertura jornalística de grandes eventos na era da internet


O massacre da universidade Virginia Tech vai entrar para a história também um marco do fim da hegemonia da grande imprensa na cobertura de eventos que provocam grande comoção pública.


Passado o trauma maior, começam agora a surgir informações e análises mais detalhadas sobre como o público teve acesso às informações e como a imprensa ficou desorientada na cobertura jornalística.


Os observadores da imprensa norte-americana e os institutos de pesquisa do país acreditam que o grande diferencial da cobertura do massacre esteve no amplo e incrivelmente diversificado fluxo de informações criado pelos estudantes, professores, funcionários e pessoas comuns que estavam nas imediações da Virginia Tech quando aconteceu o tiroteio.


Usando câmeras digitais, laptops, telefones celulares, blogs, podcastas, videoblogs, chats e toda a parafernália contemporânea de comunicação, as testemunhas da tragédia começaram a divulgar informações mesmo antes do segundo e mais mortal tiroteio, quando a imprensa ainda não havia acordado para o fato.


Mais importante do que tudo, ao passar adiante informações sobre o que estava acontecendo na universidade, os informantes adotaram um estilo narrativo totalmente pessoal, tipo: Mamãe, eu estou vivo. Além disso foram raros os estudantes ou funcionários que se preocuparam em fornecer material para a imprensa. Eles correram primeiro para seus blogs e só depois pensaram nos jornais e TVs.


Outra evidência das profundas mudanças no comportamento do público em relação à coberturas de grandes eventos foi materializada na Wikipédia. A enciclopédia virtual, que hoje é também uma fonte de notícias sobre a atualidade, recebeu em média quatro visitas por segundo nos primeiros dois dias depois do massacre na Virginia Tech.


Quando os primeiros flashes ao vivo começaram a ser transmitidos pela TV norte-americana, o primeiro verbete sobre o tiroteio já estava sendo escrito por alguns dos quase 2.074 editores voluntários que participaram do maior mutirão jornalístico que se tem notícia na história da internet.


Enquanto tudo isto acontecia, admitiram alguns editores da CNN, a imprensa norte-americana não sabia que direção tomar porque os jornais e a TV tiveram que correr atrás dos blogueiros, testemunhas oculares, repórteres amadores com câmeras digitais etc. A notícia que antes era trazida pelos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas profissionais, chegou às redações por outros canais, quase todos eles amadores.


A Wikipédia foi apenas uma amostra do emaranhado de fluxos informativos que se formaram autonomamente, sem controle centralizado, quase uma anarquia organizada. Houve um momento, no quarto dia depois da tragédia, que a enciclopédia virtual correu o risco de se transformar o seu material sobre a Virginia Tech num mega tributo às vítimas, tal o volume de informações que começaram a ser postadas sobre os mortos e feridos.


O público também adotou um comportamento inédito. Em vez de procurar as emissoras de TV e rádio, bem como os portais de jornais, houve uma corrida para os sites de noticias, weblogs, podcasts e vídeoblogs.


Para o professor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Nova Iorque, Jeff Jarvis, a ‘Wikipédia foi apenas uma amostra do que aconteceu em toda a Web, em especial no segmento conhecido como jornalismo cidadão’. Jarvis foi um dos primeiros a colocar na agenda jornalística a discussão sobre o que fazer daqui por diante.


Ele entrevistou blogueiros e a grande maioria deles admitiu que não deseja trabalhar para jornais e nem muito menos ser chamado de jornalista. Eles querem simplesmente ser linkados, ou seja, referidos como fontes de informações pelos jornais.


Isto levou a discussão para dentro das redações. Depois de ter perdido a corrida para os amadores em matéria de rapidez e diversidade informativa, os profissionais se deram conta que os amadores passaram a ser suas grandes fontes de notícias. A idéia que começa a circular em várias redações é a de que as reportagens terão que incluir necessariamente uma lista de links para blogs, sites pessoais, podcasts e vídeo blogs.


Outra discussão que também está ganhando corpo entre os jornalistas depois de Virginia Tech é a possibilidade de um jornal linkar um concorrente numa matéria de grande relevância. Em vez de mandar um repórter cobrir o que outro jornal já fez, a alternativa seria buscar outro ângulo ou investir noutro assunto para evitar duplicidade de esforços.


Isto evidentemente mexe com rotinas e valores muito entranhados no corporativismo das redações, mas alguns sinais de mudança já são perceptíveis. O jornal The New York Times foi criticado na Columbia Journalism Review por não ter dado crédito ou linkado o seu concorrente The Washington Post na cobertura do escândalo de maus tratos em hospitais militares de Washington a soldados feridos no Iraque.


Jeff Jarvis e a CJR acham que na época de redações mínimas, os jornais não podem mais se dar ao luxo de duplicar esforços nas grandes coberturas. As mudanças na arquitetura social da informação começam a se tornar cada vez mais claras e suas consequências dentro da imprensa passam a ser inevitáveis.