Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Onde sumiu e onde saiu o outro lado da CPMF

Outro dia, deu no jornal que se pensa pagar um extra aos professores da rede pública paulista que não faltarem ao serviço – uma espécie de bônus pela assiduidade. Ou seja, quer se premiar quem nada mais terá feito além de cumprir a sua parte no trato com o contribuinte que o remunera: trabalhar.

Mas é isso que se fará hoje aqui: elogiar um jornal apenas por ter dado ao leitor o que é seu direito: acesso ao proverbial “outro lado” de que a mídia tanto fala – e tantas vezes cala, na prática.

O outro lado, no caso, é o lado do governo em face do parecer da senadora democrata Kátia Abreu, de Tocantins, relatora na comissão de Constituição e Justiça do projeto de emenda constitucional que prorroga a CPMF até 2011.

Ela fez o que era arqui-esperado: produziu um documento em que defende o fim do tributo, explica por que e apresenta seis fontes alternativas de recursos que, segundo ela, permitiriam ao governo abrir mão de R$ 40 bi anuais de arrecadação e ainda assim manter os seus programas sociais, o gasto com a saúde e os investimentos no PAC.

O relatório já havia sido amplamente divulgado na internet, antes de sua leitura formal no Senado.

Dos quatro principais jornais, a Folha e o Valor limitaram-se a citar as passagens mais quentes do texto e, mal-e-mal, as do relatório alternativo do líder do governo, Romero Jucá, do PMDB de Roraima.

Sobraram o Globo e o Estado. O primeiro ensaiou uma análise crítica do trabalho da senadora, na materia “Especialistas recebem com ceticismo proposta do DEM para substituir CPMF”, mas, em matéria de densidade, não chegou a ser propriamente uma Brastemp.

“Nem os ministérios da Fazendo e do Planejamento, nem governistas especializados em Orçamento, como o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), quiseram comentar as sugestões”, desculpa-se a reportagem já no primeiro paráfrago, onde também informa que “o governo preferiu esperar para fazer as contas e responder hoje à proposta”.

Mas como?, é de perguntar. O governo já não abasteceu o contra-relatório de Jucá? Passemos, porém.

Já o Estado – quem diria – não deixou por menos:

Sobre matéria de seis nutridos parágrafos de autoria do repórter Sérgio Gobetti, o mais oposicionista dos diários brasileiros tascou o título “Para técnicos, relatório é peça de ficção”.

Os tais técnicos trabalham no Ministério da Fazenda. Eles apresentam números e argumentos aparentemente persuasivos – graças aos quais o leitor interessado pode cotejar o que lhe foi dado ler do relatório da senadora Kátia com os motivos que alegam para considerá-lo peça de ficção.

Pena que não se saiba quem e quantos são esses experts. Nem por que eles ficaram no anonimato. Pelo menos os repórteres Gustavo Paul e Cristiane Jungblut, do Globo, identificaram os seus especialistas: os economistas Raul Veloso e José Roberto Afonso, o ex-secretário da Receita Everardo Maciel e o ex-ministro Antonio Palocci.

A reportagem do Globo:

“A proposta da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), de substituir os R$ 40 bilhões de arrecadação da CPMF por adaptações na composição do Orçamento, foi recebida com ceticismo por especialistas. O governo preferiu esperar para fazer as contas e responder hoje à proposta. Nem os ministérios da Fazenda e do Planejamento nem governistas especializados em Orçamento, como o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), quiseram comentar as sugestões.

Para analistas de orçamento e contas públicas, as propostas feitas por Kátia não são eficazes para reduzir as despesas do governo e possibilitar o fim imediato da CPMF. O economista Raul Veloso foi categórico: — Acho difícil, pois as despesas são muito amarradas. As despesas de custeio são contidas, e qualquer redução de gastos vai incidir sobre investimentos, o que não é mais possível.

Na visão dos analistas, a CPMF é importante para o equilíbrio do Orçamento a curto prazo. Sua redução só seria viável em médio prazo, com a diminuição gradativa das despesas com pessoal e com a Previdência.

– O grosso dos gastos do governo é com pessoal e Previdência Social. Se não mexer nessas duas coisas, não é possível falar em redução de CPMF – disse o consultor Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal.

O economista José Roberto Afonso disse que não tinha lido detalhadamente a proposta da relatora, mas frisou que se está perdendo uma grande oportunidade, com a discussão da CPMF, de discutir novos rumos para a política fiscal e econômica. O economista disse que a possibilidade de usar recursos do superávit financeiro para custear despesas foi dada pelo próprio governo, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano.

No artigo 100, a LDO prevê que, caso não sejam aprovadas fontes como a CPMF, essas fontes sejam substituídas por excesso de arrecadação ou superávit financeiro. Mas o economista diz que aprovar ou não a CPMF apenas “é uma questão menor”, argumentando que é preciso mudar o quadro de situação do governo e promover a austeridade fiscal. Para ele, criou-se um clima desnecessário de ser contra ou a favor da CPMF.

– Criou-se um Fla x Flu. A questão não é aprovar ou não a CPMF. A CPMF é uma questão menor. Não adianta matar a CPMF e manter esse quadro que está aí. O que acho é que está faltando um planejamento de austeridade fiscal – disse Afonso. Já o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (PT-SP) criticou a proposta da senadora. Ele disse que governo algum pode abrir mão, de um ano para a outro, de R$ 40 bilhões, porque isso traria instabilidade fiscal. – Isso causaria um desequilíbrio nas contas públicas. Não é só achar fontes (alternativas) – disse Palocci.”

A reportagem do Estado:

“O relatório da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) indicando como fechar o Orçamento de 2008 sem os R$ 40 bilhões de receita da CPMF é uma peça de ficção, que cabe no papel, mas não tem viabilidade prática, dizem os técnicos do Ministério da Fazenda. Além de cortar R$ 13,7 bilhões do Orçamento em despesas de custeio e investimento, a relatora prevê algumas medidas que seriam duvidosas, na opinião dos técnicos, como a hipótese de que os parlamentares não usarão nenhum centavo dos R$ 11,5 bilhões de aumento de receitas para suas emendas.

A revisão de receitas promovida pela Comissão de Orçamento tem por objetivo justamente atender às demandas dos parlamentares. E, mesmo que deputados e senadores concordassem em abrir mão desse dinheiro para fechar as contas no Orçamento, isso não resolveria o problema prático que o governo teria no próximo ano: de onde cortar as despesas para compensar a perda da CPMF, sem reduzir o chamado superávit primário – a economia para pagamento de juros.

Para os técnicos, muitas propostas feitas por Kátia, embora sirvam teoricamente para fechar o Orçamento, implicam a redução do superávit primário na prática. É o caso, por exemplo, da utilização de R$ 9,8 bilhões do chamado superávit financeiro para cobrir as despesas do Orçamento financiadas pela CPMF. O superávit financeiro nada mais é que o dinheiro que o governo obteve em anos anteriores com a economia do superávit primário. Se usá-lo para pagar alguma despesa, teria de cortar de outro lado, sob pena de aumentar o endividamento público.

Na prática, segundo os técnicos do Ministério da Fazenda, não há fórmula mágica de compensar a perda da CPMF sem ser por redução das despesas, inclusive da área social. Isso ocorre porque a maior parte das despesas é obrigatória, como salários, aposentadorias e benefícios previdenciários, que crescem todos os anos.

Descontando essas despesas obrigatórias e os programas sociais e econômicos, dizem eles, sobram para o governo gastar cerca de R$ 20 bilhões no custeio da máquina administrativa e R$ 20 bilhões em investimentos, ou seja, os mesmos R$ 40 bilhões da CPMF.

Por isso, se quisesse manter o atual patamar de gastos sociais, o governo precisaria reduzir a zero seus gastos de custeio e investimento, o que é improvável de ocorrer. Possível no curto prazo, segundo técnicos da Comissão de Orçamento, é compensar essa perda parcialmente com a redução de alguns gastos – como os R$ 13,7 bilhões calculados pela relatora – e com o aumento de outras receitas além do previsto no próprio Orçamento. Mas o ritmo de aumento dos gastos sociais também precisaria ser reduzido, inclusive a estimativa de aumento real do salário mínimo para 2008.”