Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os desvios da mídia – e do público

O que os americanos acham do jornalismo americano? E nós com isso?


 


Por suas inconsistências, que levam a pensar que os consumidores de informação muitas vezes são juízes tão pouco isentos como seriam, segundo eles, os produtores a quem criticam, e pelas comparações que permitem estabelecer com o Brasil – a um observador brasileiro, naturalmente –, as respostas mais do que justificam a leitura de um dos três relatórios especiais que fazem parte da monumental edição de 2008, do State of the News Media, divulgada duas semanas atrás.


 


O relatório especial se intitula “Atitudes do Público”. Contém uma notícia má e outra, menos má. A primeira é que a maioria dos americanos acha que a imprensa é politicamente enviesada, e que as suas matérias são freqüentemente imprecisas. A segunda é que, na contramão da tendência dos anos recentes, essa visão negativa deixou de se acentuar.


 


No meio disso, um cacho de contradições.


 


Muitos se dizem insatisfeitos com a grande imprensa – apenas 60% dos entrevistados têm uma opinião favorável dos diários de circulação nacional, como o New York Times. No entanto, gostam dos jornais locais que assinam. O que induziu o autor do relatório, Robert Ruby, a se perguntar quantos, entre os detratores dos jornalões, os lêem de verdade.


 


A maioria também critica os  telejornais das grandes redes e das TVs a cabo, mas aplaude o noticiário das emissoras locais.


 


A instituição imprensa tem menos credibilidade do que qualquer organização jornalística tomada isoladamente. Suspeita-se do jornalismo em geral, mas não daquele em que se presta atenção – sinal, talvez, de que as vaias, por serem dirigidas a um alvo abstrato, representem uma reação menos significativa do que os elogios ao noticiário que efetivamente se segue.


 


Além disso, mais americanos dizem confiar no seu jornal diário do que na Suprema Corte, no Congresso e nos partidos. E ainda: em relação aos cinco últimos levantamentos periódicos do estado da mídia nos EUA, feitos pelo Project for Excellence in Journalism, nunca foi tão ampla, como agora, a maioria dos que consideram a imprensa “altamente profissional” (66%).


 


No mesmo período aumentou também a proporção da minoria que acha que a imprensa toma cuidado para não evitar o facciosismo político.


 


É de igual ordem de grandeza a parcela da população que acredita no jornalismo como o “cão de guarda” cuja vigilância inibe os poderosos de cometer malfeitos.


 


Pessoas, como se diz, são engraçadas. Quase a metade dos americanos critica a mídia – acertadamente – pelo excessivo espaço dado às chamadas celebridades. Mas as pesquisas de mercado indicam que parte ponderável dos mesmos críticos curte matérias com esse tipo de gente.


 


A preocupação em dar “resposta certa” numa pesquisa pode ter contribuído para o fato de 80% dos entrevistados pelo Pew Research Center declararem que gostariam que a mídia americana focalizasse mais as posições dos candidatos à Casa Branca este ano do que os outros aspectos da campanha. Decerto passa de 20% a proporção dos que se deliciam com os factóides do noticiário da disputa eleitoral – em especial com a fofocalhada que a acompanha.


 


Ainda na mesma clave, há o caso do uso da internet. Segundo uma sondagem, cresce o número daqueles que têm na web a sua fonte primária de informação. Até aí, tudo bem. Ocorre que os freqüentadores de sites e blogues formam o contingente mais crítico da mídia convencional – muitos deles talvez sem se dar conta de que o noticiário eletrônico a que dão preferência tende a ser basicamente a versão online do material que sai nos periódicos e emissoras de que desdenham.


 


Mais da metade dos que dizem acompanhar a campanha eleitoral americana pela internet em primeiro lugar, mencionam três sites em especial. Só que dois deles – os da MSNBC e CNN – se enquadram naquela categoria. A exceção é o terceiro, Yahoo News.


 


O relatório especial “Atitudes do Público”, do State of the News Media, sugere que as pessoas preferem se informar na net não – ou não só – porque o jornalismo eletrônico seja melhor do que o tradicional, mas por uma questão de conveniência: acesso mais fácil ao que quer, na hora em que se queira. O formato diferente de conteúdos idênticos é o que conta.


 


“A confiança na imprensa não se correlaciona necessariamente com o seu uso”, assinala o relatório, numa de suas principais passagens. “Muitas vezes, alguns dos que mais desconfiam da mídia são os seus mais freqüentes consumidores.”


 


Isso valeria para o Brasil? Difícil dizer porque a internet aqui ainda é para poucos, poucos são os leitores de jornais – e imenso é o predomínio de uma fonte, a Rede Globo, no setor de mídia que é a fonte básica de informação para a esmagadora maioria dos brasileiros.


 


Mas dá para apostar que uma pesquisa do gênero, entre nós, destacaria nas atitudes do público incongruências e contradições não de todo dissimilares daquelas flagradas nos Estados Unidos.


 


Ali, o fator singular que passou a competir de igual para igual com todos os outros concebíveis na avaliação popular da mídia são as inclinações políticas do público: os juízos sobre a imprensa variam claramente conforme as afinidades partidárias de cada qual.


 


Nos EUA é a polarização entre democratas e republicanos. Entre os primeiros, 29% acham que a mídia é parcial. Entre os segundos, 70%!


 


No Brasil, a julgar notadamente pelos que manifestam na internet as suas opiniões sobre mídia e política, a imprensa é vista de um modo pelos opositores do governo Lula e de ponta-cabeça pelos seus defensores.


 


A ressalva da internet é importante porque na última sondagem CNI-Ibope, divulgada semana passada, que lida com uma amostra da população inteira, em que se dilui, portanto, a parcela dos usuários da web, a alternativa mais votada no item relativo à percepção do noticiário sobre o presidente Lula, pela segunda rodada consecutiva, foi a de que as notícias divulgadas recentemente não eram nem mais favoráveis nem mais desfavoráveis ao seu governo.


 


Compartilharam dessa impressão 32% dos entrevistados. Outros 27% responderam que as notícias eram “mais favoráveis” ante 23% de “mais desfavoráveis” e 18% que não souberam ou não quiseram responder. Pela primeira vez desde abril de 2007 a alternativa “mais favoráveis” prevaleceu sobre a que lhe é oposta.


 


Está mais do que na hora de se ter uma versão brasileira do State of the News Media. Provavelmente a seqüência de levantamentos dissiparia uma pá de raciocínios em bloco, como se dizia no velho Pasquim, sobre os rumos da imprensa nacional e a evolução das atitudes do público em relação a ela.


 


P.S. A série histórica da pesquisa CNI-Ibope, com o gráfico sobre como o povo acha que a mídia cobre o governo Lula, a contar de junho de 2004, está aqui.