Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os donos da voz


Em entrevista publicada na semana passada no portal Terra, o ministro Tarso Genro reconhece que existe monopólio de meios de comunicação em municípios do interior e mesmo em estados inteiros. Mas não emite nenhum sinal de que o governo Lula esteja disposto a fazer algo para enfrentar o problema. O Executivo não faz, o Legislativo não faz, o Judiciário não faz.


O Ministério Público Federal recebeu há seis meses do Projor, instituto mantenedor do Observatório da Imprensa, uma pesquisa circunstanciada sobre a posse irregular de canais de televisão e de emissoras de rádio por parlamentares federais.


Esse problema é objeto de denúncias deste Observatório há dez anos, desde a sua criação. Cria uma distorção séria no regime democrático do país.


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Palavra de radialista


Para facilitar a vida dos navegantes, junto três comentários feitos pelo leitor José de Almeida Bispo, Itabaiana, Sergipe:


O debate sobre a propalada democratização da mídia eletrônica por radiofreqüência é importante, contudo é preciso que se não tenham muitas ilusões. Em artigo recente na Folha de S. Paulo o ex-ministro João Sayad dá uma pequena luz sobre o que significa a radicalização antioligopolista e a necessidade da existência de tais entes – os oligopólios.


No caso do chamado monopólio das comunicações vale a máxima de quem não tem competência não se estabelece. Acima do poder político direto, uma emissora de rádio mais pesa pela ameaça num momento de construção de alianças políticas do que pela influência direta que pode exercer. 

O fator humano ainda é o peso máximo. Sem um bom pistoleiro eletrônico ou um time deles, a emissora de rádio não é nada. No máximo uma forma de seu(s) dono(s) extorquir(em) o candidato interessado de plantão. Logo, não é a concentração ou não das emissoras nas mãos dos políticos que vai determinar a melhoria ou não da democracia; e sim a distribuição de verbas e a existência de profissionais capacitados e deliberados a fazer a canalhice encomendada.


Pessoalmente falo pela experiência de 27 anos de rádio – e de militância política – em que vi emissoras serem ou não determinantes numa campanha política. No meu estado de Sergipe fui companheiro de três entre os seis mais bem conceituados ditos radiojornalistas políticos – um deles ex-deputado estadual – e, no caso deste, perdeu todas quando estava “do lado errado” apesar de brilhante em seu trabalho, da equipe de apoio e da dinheirama dos grupos que defendeu.


A mídia é determinante, sim; mas o buraco é mais embaixo. Evocando o Evangelho, “não basta dizer Senhor, Senhor” para entrar no reino dos céus. Não foi a mídia quem elegeu FHC; foi a ressaca de 1989/92 junto com um Real, aqui sim, muito bem trabalhado.


Nas experiências que já tive em minha cidade, Itabaiana, que conta com uma revista, quatro emissoras de rádio e dois portais de internet, nem sempre quem ganhou foi quem tinha a maior parte física da mídia; e sim quem melhor investiu na qualidade da referida mídia, além de atributos outros.


Logo, acho irrelevante a questão de políticos donos de rádio, já que das quase trinta emissoras de Sergipe, exceção a uma AM religiosa e duas oficiais, todas as demais são de políticos, e só não vive à míngua quem recebe polpudas verbas estaduais e algumas ninharias municipais.


Custa caro, para os padrões interioranos brasileiros, manter uma emissora de rádio, especialmente uma AM. E a propaganda é escassa e, portanto, extremamente barata. Em minha cidade o preço médio de um lote de inserções de trinta segundos não passa dos trezentos reais/100 vezes/mês. A grade, em geral, comporta no máximo 70 contratos similares e o salário profissional mínimo está em torno dos 550 reais sem os impostos sociais. Detalhe: os anunciantes privados, mesmo nas emissoras mais concorridas só conseguem preencher metade da grade mensal. Mesmo na capital a situação não muda muito e aí entra a publicidade oficial.


Nos últimos 25 anos apenas três radialistas em Sergipe foram eleitos à Assembléia Legislativa, apenas pela oratória, e uma única vez. Nas demais vezes ou nos demais casos, funcionou também, ou quase totalmente, o esquema cartorial da divisão dos currais eleitorais. Repito que é preciso serenidade para discutir problema de tal magnitude.


De repente, ao invés de estarmos aprimorando o jogo democrático poderemos estar criando mais leis mortas. Talvez coubesse aqui um Conselho Nacional de Comunicação, democrático ao máximo, porém sem perder a agilidade, com poderes normativos e punitivos para aparar os excessos.


(Nota, M.M.: o Conselho de Comunicação Social existe, mas anda inoperante. Clique aqui para ver a página na internet.)


Segue o debate.


Do leitor Fernando Pacheco Jordão, São Paulo:


O comentário do radialista sergipano é um tanto contraditório. Ao mesmo tempo em que observa que mais de 90% das rádios em seu estado são de propriedade de políticos, ele menospreza a influência que esse meio eletrônico exerce sobre o eleitor. Caberia perguntar como esses donos de rádios se elegeram. Ele não explica. Mas, longe de mim a polêmica. Os comentários do ilustre radialista me fizeram lembrar de meus tempos de radiojornalismo. Uma ocasião, apresentou-se na redação do radiojornal um verdadeiro ´pistoleiro eletrônico´. Contou-me que tivera que sair às pressas de sua cidade – também no Nordeste –, logo após as eleições. Seu candidato havia sido derrotado. Perguntei-lhe o tema de seus programas radiofônicos. ´Ofensas pessoais´, respondeu ele, com certa solenidade, com o indefectível sotaque nordestino.”


Do leitor Martins Andrade, Fortaleza:


Essa praga de emissoras em mãos de políticos foi disseminada pelo então ministro ACM, no governo Sarney, para compra dos cinco anos de mandatos deste. Também sou radialista e, contrariando meu colega de Sergipe, o rádio tem peso, sim, nas mãos dos políticos. Sobretudo no Nordeste, onde, em períodos eleitorais, elas se transformam em ‘radiadoras’ dos seus donos ou dos partidos. Num município cearense, em apenas um mês, uma emissora virou três vezes numa campanha eleitoral. Outrossim, os partidos que detêm a maioria no Congresso Nacional são aqueles que foram beneficiados pelas tais emissoras doadas pela dupla Sarney/ACM… daí.


Mais uma. Essa para o Fernando Pacheco Jordão: o pistoleiro eletrônico não existe só com sotaque nordestino, não. Bóris Casoy está nas barbas e ouvidos de vocês. E ele não é privilégio da mídia eletrônica. A mídia escrita também tem seus Durango Kid´s. Taí o Diogo Mainardi, sempre de plantão. Na maioria das vezes o pistoleiro eletrônico é o que fala aquilo que nós não admitimos ouvir, ou o que é contrário às nossas convicções políticas, com raríssimas exceções. Essa figura deveria ser banida da radiofonia, porém é muito valorizada por ocasião das campanhas políticas. Vez por outra, o ´democrata´ atingido manda matar um e nem vai preso! Mas, viva o rádio, que ainda é o maior veículo de comunicação da atualidade!”