Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pensata sobre as novas funções do jornalismo na era digital

Há semanas eu encontrei um amigo meu, professor de jornalismo, e ele me puxou de lado para dizer: “Poxa, cada vez que leio teus posts eu fico mais confuso sobre o papel futuro do jornalismo”.  Talvez esta tenha sido a observação  sobre temas publicados neste blog que mais me surpreendeu nos últimos anos.


Na verdade eu ainda não tinha me dado conta plenamente do efeito causado por reflexões feitas no Código a propósito da mudança no contexto atual  do exercício do jornalismo.  De fato, quanto mais a gente pensa mais se dá conta de que, se por um lado assistimos a crise de uma forma de encarar e exercer a atividade jornalística, por outro já é possível vislumbrar um novo perfil profissional, que nada tem a ver com o atual. 


Até agora, a visão predominante partia do princípio de que o jornalismo é uma atividade destinada a produzir notícias e informações capazes de ajudar o cidadão a exercer seus direitos e participar do convívio social. Trata-se de uma visão quase funcionalista, em que o cidadão era também tratado como um consumidor de bens e serviços. 


Está claro que a ferramenta deixou de ser útil aos propósitos pretendidos e a percepção do jornalismo foi distorcida por conta da preocupação industrial e mercantilista das indústrias da comunicação responsáveis pela produção de jornais, revistas, rádio, TV e também portais noticiosos na Web. 


Mas agora começa a ganhar contornos mais nítidos uma nova perspectiva para o jornalismo e uma nova função para a notícia. O jornalista deixa de ser um operário na linha de produção de conteúdos informativos para tornar-se  um contextualizador de dados, fatos e processos, bem como um treinador, ou consultor, de pessoas interessadas em participar da mega-arena noticiosa criada pela World Wide Web.


Tudo isso porque a notícia e a informação deixaram de ser uma commodity negociada pela imprensa em troca de anúncios pagos, para se transformar no impulso inicial de um processo que passa pela formação de comunidades, capital social e, no fim da linha, pelo desenvolvimento sócioeconomico sustentável.  A coisa é complicada, portanto vamos por partes.


A informação funciona como gatilho para a formação de comunidades quando uma ou mais pessoas trazem para o grupo uma notícia que os demais membros ignoram. É sabido que as pessoas se agrupam para obter alguma vantagem. E, geralmente, é a informação que torna esta vantagem atrativa para a maioria da comunidade ou rede.


Inicia-se aí um ciclo de troca de informações que gera o desenvolvimento de redes de contatos, que são causa e efeito da criação de um clima de confiança mútua que, por sua vez  leva a reciprocidade de gestos e condutas. Estes fatores são considerados essenciais na formação do capital social numa comunidade.


Este processo já é bem conhecido dos psicólogos e sociólogos. O que ainda não foi suficientemente discutido e estudado é o papel do jornalismo nesse novo contexto.  O maior obstáculo é a resistência de muitos profissionais em arriscar um mergulho nesta realidade criada pelas conseqüências sociais da avalancha informativa gerada pela Web. 


Mas já dá para vislumbrar que o jornalismo passa a ter uma função muito mais relevante do que a atual, onde ele é um coadjuvante na produção industrial de notícias. Alguns desafios já são imediatos como, por exemplo, a identificação das notícias que têm maior potencial de gerar comunidades sociais, sejam elas presenciais ou virtuais.


Anita Blanchard, pesquisadora da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, descobriu que notícias sobre educação de filhos e  sobre membros da comunidade foram as que mais motivaram as pessoas a entrar em redes sociais virtuais na cidade de Charlotte, também na Carolina do Norte. 


Os interesses e motivações variam de comunidade para comunidade e também com o contexto histórico de cada uma delas, abrindo um campo de trabalho totalmente novo para o jornalismo. Já não se trata mais de usar o interesse dos leitores pela notícia para alimentar o fluxo de caixa de anunciantes, mas de direcionar este mesmo interesse para a formação de capital social.


Muitos perguntarão: sim, e daí, como o jornalista vai sobreviver? Ninguém tem ainda a resposta, razão pela qual é impossível apresentar essa nova alternativa como uma solução imediata e definitiva. Mas não há mais muitas dúvidas de que a busca da saída está nesta direção.  Meu amigo não é o único perplexo com as mudanças. 


P.S. Aproveito esta primeira postagem do ano para expressar o meu desejo de que em 2011, a gente consiga ampliar a pequena comunidade de pessoas criada em torno deste blog. Um abraço a todos vocês.