Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Piva: “Estamos bem informados, mas faltam arte, gosto, gente, olhares”

Horacio Lafer Piva, acionista e membro do Conselho de Administração da Klabin, escreveu para o Observatório da Imprensa um relato de sua relação com a mídia ao longo dos anos. Entre seus sonhos de adolescência estava o de ser jornalista. O encantamento não resistiu ao contato estreito com a mídia ao longo de dois mandatos (1998-2004) à frente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp. Mas não só isso. O empresário menciona também a “crise que abateu a imprensa e que levou as redações a cortes sanguinolentos” e “faculdades que ensinam mais a inventar que a pesquisar”.


Piva ultimamente anda frustrado: “Gosto de poder concordar ou não com algo que leio nos jornais, mas não sei se há mais que uma dúzia de pessoas capazes de me envolver. Há também gente que cobre direito os fatos. Mas há uma quantidade exorbitante daquilo que, creio, se chamavam ´focas´, pioradas”.


Para o empresário, a imprensa é “a ferramenta da democracia que, junto com educação, tirará o brasileiro de sua letárgica complacência”. Mas ela precisa melhorar: “Assim como a polícia me assusta mais que protege, a imprensa hoje gera mais temor que respeito, o que me parece bastante ruim. Um Quarto Poder pouco diferente neste quesito dos outros três. Talvez pela presunçosa percepção de que a propriedade da ética lhe pertence”.


Piva defende com veemência o papel da imprensa. E conclui: “Vamos continuar bem informados e amparados na vigília diária, mas creio falte arte, falte gosto, falte gente, faltem olhares. Tenho amigos que preferem assim. Eu prefiro, definitivamente, assado”.


Mais arte, gosto, gente, olhares


Por Horacio Lafer Piva


Já estive mais atento a jornais e revistas. Sempre fui um leitor obsessivo, de livros especialmente, mas dos tempos de faculdade carrego a boa lembrança de não falhar um dia sequer na linha a linha do Jornal da Tarde, início de meu interesse pelo que diziam ´os outros´, do também meu dia-a-dia.


Algum tempo depois ´subi´ para o Estado de S. Paulo e a Gazeta Mercantil, além de revistas semanais. Que prazer aguardá-las, que respeito eu tinha pelos industriais que falavam de negócios, que inveja dos editoriais com posição definida, com as quais eu por vezes não concordava, mas que me faziam sentir mais vivo por aprender.


No meu tempo de Fiesp radicalizei. Olhava, junto com o clipping, Estado e Globo ao chegar, Gazeta e depois Valor na hora do almoço, e deixava a Folha para ler em casa, de trás para frente, vício adquirido já lá vão uns 20 anos, e que conservo até hoje.


Tive um assessor que me dizia ser prudente não ficar amigo de quem cobria a entidade, conselho que, sem arrependimento, não segui. Na adolescência quis muito ser jornalista (aliás, minha segunda opção, após regente), e costumo dizer que, na falta de talento, fui ser empresário. Tenho gosto pela prosa atenta e informada desta turma, e já aprendi muito com ela. Ouso dizer ter uma relação diferenciada com meia dúzia deles.


Contudo, verdade seja dita, no caminho ficou gente muito boa, atropelada por esta doença moderna de mais informar que ajudar a compreender, com esta crise que abateu a imprensa e que levou as redações a cortes sanguinolentos, e com estas faculdades que ensinam mais a inventar que a pesquisar.


Em qualquer época haverá grandes profissionais. Claro, estão mais raros, pois ninguém lê artigos de fundo, o mundo parece ter cada vez menos tempo para viver com gosto, e engole teasers, pílulas, notas que o façam leitor suficientemente informado para sustentar uma prosa de não mais que uma hora de almoço. Se é culpa da oferta ou da demanda, não saberia agora dizer, mas há sim profissionais tarimbados.


Ultimamente ando bem frustrado. Gosto de poder concordar ou não com algo que leio nos jornais, mas não sei se há mais que uma dúzia de pessoas capazes de me envolver. Há também gente que cobre direito os fatos. Mas há uma quantidade exorbitante daquilo que, creio, se chamavam ´focas´, pioradas. Jovens, provavelmente frustrados em seus sonhos de uma atuação mais profunda e/ou heróica, tentando capturar algumas palavras que montem uma notícia com um mínimo de sentido para passarem com a maior urgência para a disponibilização no ´on-line´ de seus empregadores. E outros que, na redação, fazem, mas pouco pensam. Vejo pouco brilho nos olhos destes profissionais, há algo de errado acontecendo…


Outra coisa é este caminho perigoso de execução sumária que a imprensa faz de todos que não lhe pareçam vestais, e que porventura tenham tido, verdade ou não, algum indício de crime. Isto me arrepia. A imprensa é um pilar da democracia, e para quem, como eu, acredita na mobilização da sociedade como essência da resposta para este país, é a ferramenta da democracia que, junto com educação, tirará o brasileiro de sua letárgica complacência. Contudo, assim como a polícia me assusta mais que protege, a imprensa hoje gera mais temor que respeito, o que me parece bastante ruim. Um Quarto Poder pouco diferente neste quesito dos outros três. Talvez pela presunçosa percepção de que a propriedade da ética lhe pertence.


Dia destes li o livro do Caio Túlio Costa [O Relógio de Pascal] e fiquei orgulhoso da capacidade de resistência, não apenas dele, embora mereça destaque, mas desta cepa de gente que enfrenta à força a busca da verdade, protagonistas da história republicana deste país, especialmente em tempos mais bicudos. Num mundo tão frágil, onde o dinheiro esgarça as fronteiras do certo e do errado, é importante ter pessoas dispostas ao sacrifício no presente para colher a satisfação no futuro.


Poucos no Brasil fazem uma cobertura internacional de qualidade, e os melhores artigos são comprados lá de fora. Na área econômica avançamos, mas ainda falta quem enxergue mais longe e procure entender o dna da empresa entrevistada, fuja do comentário fácil das razões aparentes, e, portanto, simplistas quanto às vitórias e derrotas do entrevistado. Na política desconfio demais, leio com um olho só e confiro depois com quem acredito aqui ´de fora´. Cultura é relato, não sei mesmo se poderia ser muito diferente, é interpretação livre. Aprecio editoriais, vejo-os como tribunas livres, e colunas específicas respeito por critérios subjetivos em relação ao autor. Cidades, tão familiares, são quase uma história em quadrinhos, passo desatento por crimes, e só vejo as manchetes de esportes.


Revistas, quando não específicas, são deglutíveis em minutos, nas rádios ouço um pouco de música e notícias, por não mais de meia hora, pois acho insuportável a repetição, as variações em torno dos mesmos temas, e o excesso de publicidade que me embota os ouvidos. Na TV, praticamente nada, um jornal de fim de noite vez ou outra e olhe lá. Valem se há algo em cima da hora, e se é para ver imagens, ou assisto a retrospectivas ou vou a galerias e cinema.


Tenho rodagem como leitor, estou seguro disto. Mas não ando muito feliz, e voltei, por gosto e necessidade, aos livros. Às vezes leio Economist e New Yorker, e me pergunto porque são tão bons, e há tanto tempo?


De qualquer maneira, Deus nos livre, que não falte a imprensa!


Vamos continuar bem informados e amparados na vigília diária, mas creio falte arte, falte gosto, falte gente, faltem olhares. Tenho amigos que preferem assim. Eu prefiro, definitivamente, assado.”


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