Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Politização da notícia no apagão hospitalar

No auge do bate-boca sobre a existência ou não dos fatídicos dois bilhões de reais para atenuar a crise nos hospitais, o governo disparou críticas aos estados e municípios, enquanto a entidade que reúne os secretários de saúde mostrou dados que apontam na direção oposta.


 


Entre as estatísticas do governo e os números dos secretários de saúde, o leitor ficou perdido porque a imprensa simplesmente colocou as informações uma do lado da outra, sem investigá-las e contextualizá-la.


 


São situações como esta que põem em evidência o papel dos jornalistas como facilitadores da tomada de decisões pelos leitores, porque as partes interessadas, obviamente, vão tentar mostrar o problema pelo ângulo que mais favorece os seus objetivos.


 


Quando a imprensa não assume este papel de facilitadora, por incapacidade ou por interesses próprios, fica escancarada a porta para a politização da notícia, pois o leitor só tem a opção de eleger uma parte interessada e transforma-la numa bandeira pessoal. A complexidade da política acaba transformada em paixão e sectarismo.


 


Alberto Dines, no seu texto A Política da Notícia , levantou a lebre dos perigos da politização e partidarização da informação jornalística. “Quando a notícia é politizada nada é relevante, tudo pode ser minimizado, secundarizado, relativizado e empurrado para debaixo do tapete”, diz Dines. E completa: ‘A política da notícia distancia, arruína a comunicação, sobretudo desumaniza. Pode dar certo por algum tempo, mas não se sustenta. Uma sociedade, onde se instala o descrédito, a desconfiança e a suspeição, vive desnorteada”.


 


Esta tendência tende a se intensificar à medida em que entramos no período eleitoral, onde o risco de desorientação por parte da opinião pública cresce exponencialmente.


 


O apagão hospitalar e seus desdobramentos precisam ser analisados em profundidade pela imprensa porque se ela for noticia-lo ao sabor das agendas de governo e oposição, o descrédito do público tende a crescer em relação ao que é publicado na midia.


 


A omissão da imprensa pode acabar levando-a a ser vista como cúmplice ora do governo, ora da oposição, e cada vez menos como um serviço de interesse do público leitor.


 


O caso da crise na saúde é exemplar porque as responsabilidades estão embaralhadas entre organismos federais, estaduais e municipais. Esta questão seria burocrática se já não estivesse contaminada pelo vírus da partidarização da notícia.


 


Todo brasileiro sabe que o atendimento médico é uma tragédia nacional que se arrasta há anos. O pior é que ela se deteriora, ainda mais, cada vez que o tema e politizado na imprensa. As redações sabem disto há muito tempo.


 

Estamos chegando a um ponto-limite, onde jornalistas e empresas jornalísticas terão que fazer uma opção entre o interesse público e o interesse dos políticos. Não é uma opção simples e nem fácil, mas ela tem que ser feita porque está em jogo o que ainda resta de credibilidade da imprensa, uma instituição que, apesar dos seus problema atuais, ainda é um serviço público indispensável.