Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Por que a mídia poupa Alckmin

A leitora Luciana Covolan escreve:


‘Concordo com tudo disse [no programa de rádio de 17 de maio], mas gostaria de te fazer algumas perguntas: – Por que a imprensa não comenta que o PSDB ficou oito anos no governo federal e 12 no estadual, durante o processo de cristalização do PCC? (salvo o Observatório). -Quando entrevistam o Alckmin, nenhum jornalista toca nesse assunto. Por quê? -Por que nenhum jornalista perguntou pro Alckmin o que está acontecendo, por que chegamos a esse ponto se ele, pessoalmente, foi o governador nos últimos seis anos? [Foram cinco anos e três meses.] -Por que não perguntam a ele como [quer] administrar um país, se ele não conseguiu cuidar de São Paulo?’


São boas perguntas. Eu não seria capaz de respondê-las sozinho, mas tenho algumas hipóteses.


Primeira, a dependência da mídia em relação ao poder. Antes de mais nada, para obter informações. Perguntas muito difíceis também não são feitas ao poder federal. Veja o caso do ‘mensalão’, do qual eu, que não estou na imprensa propriamente dita, já tinha ouvido falar antes de aparecer a denúncia do Jornal do Brasil, em setembro de 2004. Mas, além da dependência para obter informações, há outras dependências: publicidade oficial, cambalachos, dívidas não cobradas com a previdência social, obrigações trabalhistas negligenciadas e outras regalias.


Segunda, muitos jornalistas ficaram tão decepcionados com o governo Lula, justa ou injustamente (em alguns casos, o que os despontou foi a sensatez revelada em alguns campos pelo governo…), que tendem a tratar com mais leniência seus adversários. Isso decorre em boa medida da bipolarização política no plano federal. Ou Lula, ou Serra. Ou Lula, ou Alckmin. E o eleitor (leitor, jornalista, cidadão) fica com pouca margem de manobra. Instintivamente (quando não deliberadamente), ‘poupa’ um dos lados.


Terceira, existe um mito a respeito da competência das administrações do PSDB, alimentado pela incompetência maior de boa parte das administrações de seus adversários.


Quarta, o discurso da lei e da ordem magnetiza a mídia e a opinião pública. Abrir os olhos para a ineficácia, ou conivência, ou cumplicidade do aparelho estatal com o crime é um exercício penoso, porque rompe conceitualmente a moldura sociopolític. Chico Buarque sintetizou isso há 32 anos na canção Acorda, amor: ‘Chame o ladrão’. A ditadura foi derrotada politicamente mas num processo de transição/transação. A raiz do pensamento reacionário que a acompanhou está intacta e renovada. Em São Paulo, Jânio foi eleito em 85, Maluf em 92, Pitta em 96, Enéas recebeu a maior votação para deputado federal em 2002.