Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Posições crispadas sobre favelas

Na quarta-feira (9/11) publiquei uma entrevista do coordenador do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, Jailson de Souza e Silva, com críticas à nova onda pró-remoção de favelas, da qual o Globo se tornou nos últimos meses corifeu, e pela maneira como a mídia cobre a realidade desses bairros.


A remoção pode ser indispensável em alguns casos, mas o que chama a atenção no noticiário é que quase nunca se discute o destino das pessoas. Como se não existissem, ou não contassem. Isso foi constatado na revista dominical do próprio Globo do dia 30 de outubro, em declaração do arquiteto Alfredo Brito.


Na entrevista ao Observatório, como em outra, publicada pelo Globo no domingo anterior, dia 23, Jailson fala sem pretender uma neutralidade impossível e algumas vezes seu pensamento é contundente. Não se preocupa muito em ampliar politicamente o apoio a sua causa. Talvez se possa explicar isso como resultado de uma consciência forjada pela dureza das condições de vida e articulada pelo estudo.


Ele é um dos moradores de favelas do Rio que fizeram doutorado na universidade. Esses casos são raros, mas são ao mesmo tempo um grande alento. A contrapartida é que intelectuais freqüentemente chegam ao limite da possibilidade teórica de seu raciocínio – e esse limite é ampliado pelo método – sem se deixar deter pelo que alguém já chamou de astúcias do real.


Hoje chegam os primeiros comentários à entrevista de Jailson, e são duros. (Ver abaixo tópico “Contra o discurso da remoção”.) Uma leitora generaliza, com ferocidade: “O favelado é imediatista, consumista”, daí para pior. Outra diz que fora da remoção “tudo [….] é banalidade”.


Nesta altura do campeonato é preciso dizer que a conversa não prospera quando as partes não dialogam. Na base dos clichês e da confrontação perdem-se a oportunidade de aproveitar linhas promissoras de reflexão e debate.


Dou um exemplo. Na apresentação da entrevista procurei destacar algo que me pareceu muito importante:


“O professor estabelece um nexo entre a política de confrontação bélica dos grupos armados, que tem vinte anos, e  o discurso atual da remoção. Reivindica uma política de desarmamento dos grupos criminosos, não de uso da violência”.


O raciocínio feito a esse respeito por Jailson de Souza e Silva aparece na seguinte passagem:


Existe, portanto, uma conexão entre as políticas de segurança pública adotadas nas últimas décadas e o sentimento atual em face das favelas?


J.S.S. – Essa forma de confrontar grupos criminosos armados com mais violência, poder bélico, se cristalizou na sociedade carioca, e dentro disso a favela passa a ser identificada com a violência e a remoção passa a ser a palavra de ordem”.


E, mais adiante:


“É inadmissível também que haja homens armados, grupos criminosos armados dentro das favelas. A polícia tem que ter uma ação de desarmamento desses grupos, recuperar a soberania sobre todo o estado, porque isso atinge a todos nós”.


É claramente uma idéia que merece exame, faz sentido. Mas não apareceu, nem de longe, nos comentários. A preocupação imediata não é entender, é rebater. E em algumas passagens a réplica é insultuosa, inaceitável. Não vou reproduzir aqui esses trechos para não reforçar seu efeito.


Convido todos a deixarem as armas do lado de fora e entrarem serenamente no salão. E seria bom ler o que muitas outras pessoas pensam sobre o assunto.