Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Previsão, acusação e opinião

Eis o que de melhor a Folha e o Estado oferecem hoje sobre as causas da catástrofe de Congonhas. São declarações de um brigadeiro, de um engenheiro aeronáutico e de um mecânico.

Do brigadeiro:

‘Dissemos [em dezembro]: Tudo leva a crer que teremos um acidente em Congonhas.’

Do engenheiro:

‘A Infraero usa há cerca de 25 anos o mesmo sistema defasado para avaliar as condições da pista em Congonhas.’

Do mecânico:

‘Para mim, foi aquaplanagem.’

Os principais trechos das matérias:

”O brigadeiro Jorge Kersul, chefe do Cenipa (Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes), afirmou ontem que uma falha na operação dos manetes (alavancas de controle das turbinas) pode ter sido um fator contribuinte para o acidente do vôo da TAM.

Desde o acidente, o governo federal vem tentando afastar a hipótese de que a tragédia tenha sido provocada por problemas na pista de Congonhas.

Kersul afirmou ontem à CPI do Apagão Aéreo da Câmara que uma série de incidentes ocorridos com aviões no aeroporto de Congonhas em 2006 provocou uma reunião de emergência, no dia 28 de dezembro, em que ficou clara a preocupação com a possibilidade de um acidente mais grave. Kersul afirmou que acidentes aéreos são ´certificado de incompetência de muita gente´. E esclareceu: ´Incompetência de todos os envolvidos com a atividade.`

A reunião de dezembro, segundo o brigadeiro, teve representantes do Cenipa, da Infraero, da Anac e das companhias aéreas. ´Dissemos: ´tudo leva a crer que teremos um acidente em Congonhas´. Chegamos à conclusão que uma atitude drástica tinha de ser tomada´, disse o brigadeiro.

A decisão foi a interdição total, sempre que chovesse, da pista principal, onde ocorreu o acidente da semana passada, e a realização de obras para melhorar a segurança da pista. Para Kersul, o acidente mostrou que foi um erro acreditar que as medidas tinham sido suficientes. ´Não conseguimos evitar o acidente que tínhamos previsto´, disse.

A Infraero usa há cerca de 25 anos o mesmo sistema, defasado em relação a outros países, para avaliar as condições da pista para pousos em Congonhas, por falta de investimentos na modernização da tecnologia empregada.

Além da defasagem técnica, a estatal também realiza, em relação a aeroportos de países desenvolvidos, uma quantidade menor de testes de coeficiente de atrito, que apontam se a pista está preparada para pousos.

As afirmações são do engenheiro aeronáutico Dario Rais Lopes, ligado ao PSDB, que atuou na diretoria de operações da Infraero entre 1990 e 1993. Ex-superintendente do Daesp (órgão que administra aeroportos do Estado de São Paulo), Lopes trabalhava na empresa quando foi feito o primeiro ‘grooving’ nas pistas.

A Infraero realiza medições semanais e, quando há risco da formação de poços de água, envia funcionários para fazer a checagem manual, com réguas. Além disso, não é medida toda a extensão da pista. A pista fica fechada quando a lâmina d´água ultrapassa 3 mm.

Procurada ontem para se manifestar através de sua assessoria de imprensa em Brasília, a Infraero não se pronunciou sobre as críticas do engenheiro.

Hoje, afirma Lopes, os mais importantes aeroportos europeus fazem até quatro medições de atrito por dia, sob qualquer condição climática, e ao longo de toda a extensão das pistas em uso.

‘Há veículos especiais que ficam percorrendo os aeroportos. Não existe isso de ficar medindo se a pista tem 3 mm de água ou não [como ocorre em Congonhas]’, diz.

Além da chuva, outras questões interferem no grau de aderência, como o emborrachamento (a borracha se acumula nos sulcos que aumentam a adesão) e a areia, por exemplo.

Mesmo ligado ao PSDB, Rais afirma que os investimentos também não ocorreram durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. ‘Parou-se de investir em tecnologia e atualização.’

A última inspeção no Airbus-A320 da TAM no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre (RS), durou 15 minutos. O único mecânico responsável por vistoriá-lo verificou mais de seis áreas contendo cerca de 80 itens -esses e os 20 restantes foram analisados pelo computador da aeronave. Segundo especialistas, uma inspeção dura de 15 a 40 minutos.

Localizado pela Folha, ele aceitou falar, por telefone, sob a condição de que seu nome não fosse publicado. A conversa foi gravada.

Com 12 anos de experiência em manutenção de aviões, o mecânico de 36 anos não identificou nenhum problema nas asas, no trem de pouso, nos freios, no motor, nos pneus nem qualquer vazamento -exceto o fato de o reversor direito estar inoperante, o que, segundo o fabricante, não compromete a decolagem ou o pouso.

Também não ouviu queixas dos pilotos. Eles conversaram sobre combustível -10 mil litros de querosene foram colocados no tanque.

O mecânico se exime de qualquer suposta culpa no acidente. ‘Meu trabalho tinha sido feito de forma correta’, disse ele, que tirou brevê de piloto em 1996 e já foi engenheiro de vôo da Varig Rio Sul. ‘Já conjeturei umas 300 possibilidades. Para mim, foi aquaplanagem.’

P.S. Da série ‘Antes tarde…’

Momento de descontração, como diria o presidente Lula. A Folha corrige hoje a informação de que o líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro, começara a carreira no PFL. Foi no extinto PDS. A informação errada saiu no jornal em… 9 de março.

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