Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Primeiro, clarear a balbúrdia

O artigo de Eliane Cantanhêde na Folha de hoje, “O homem que racha o poder”, faz um apanhado da polêmica que corre solta no Judiciário, no Congresso e na imprensa, sobre os métodos da Polícia Federal na Operação Satiagraha, cujo alvo principal, Daniel Dantas, a senadora petista Ideli Salvatti, citada favoravelmente na coluna, define como “o maior corruptor da história”.


Mas seria mortal para a mídia deixar no ar qualquer sombra de suspeita de que isso pode ter parte com as motivações dos críticos da PF e com o conflito aberto entre o juiz federal Fausto de Sanctis que autorizou as prisões de Dantas e de tutti quanti, e o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, que mandou soltá-lo com base em um pedido de habeas-corpus anterior à detenção – e pediu abertura de sindicância contra de Sanctis, depois que este repetiu a ordem de prisão.


Por enquanto, ao menos, o que a imprensa deve ao leitor é um esforço concentrado para dar um mínimo de clareza ao que o jurista Carlos Ari Sundfeld, numa entrevista a Gabriel Manzano Filho, no Estado de hoje, chama de “instabilidade” – a balbúrdia das decisões judiciais que se contradizem um dia depois do outro, deixando o público perplexo.


Com toda a probabilidade, entre o juiz que prende e o juiz que solta, a opinião pública fecha com o primeiro. E fecha também com a idéia de que, no combate ao crime do colarinho branco, melhor a polícia errar por excesso do que por omissão. Mas o noticiário não pode se acomodar a isso.


Não é porque o Brasil é recordista em impunidade que a polícia está sempre certa nas já não tão raras vezes em que engaiola um figurão – principalmente da maneira como o faz, para aparecer na Globo mostrando serviço. Por outro lado, não é porque um é presidente do Supremo e outro é um juiz criminal conhecido por seu rigor que o primeiro defende melhor do que o segundo os fundamentos do Estado democrático de direito.


Enquanto não puderem demonstrar com todas as letras que A e B agem um na contramão do outro porque os seus respectivos interesses são antagônicos e esses interesses não são lá muito católicos, já farão muito os jornais se proporcionarem ao leitor a visão mais desanuviada possível dos argumentos em confronto.


Acrescentado às 09h52 de 12/7/08


Críticos do ministro Gilmar Mendes deveriam ser convidados pela imprensa para comentar os argumentos do segundo habeas-corpus que ele concedeu a Daniel Dantas; e críticos do juiz de Sanctis deveriam comentar os argumentos do abaixo-assinado de seus colegas contra Gilmar Mendes.


Isso ajudará o público a formar opinião sobre o conflito no Judiciário. Claro que o plano técnico não é tudo. Mas sem ter uma idéia minimamente consistente do que, afinal, os dois lados estão falando, o leitor fica refém dos jogos de interesses que se infiltram no noticiário da imprensa – e não são poucos.


Acrescentado às 14h09 de 12/7/08


Ou muitíssimo me engano, ou nenhum jornal fez qualquer coisa com a informação que se lê no 10º parágrafo da matéria ‘Dantas falou com Braz sobre a investigação’, de Juliano Basile, no Valor de ontem.


A informação tem nada a ver nem com Dantas, nem com Braz – e sim com o mais importante político brasileiro citado nos trechos já vazados do relatório da Operação Satiagraha. Seguinte:


‘Ao falar de Naji Nahas, a Polícia Federal mostra-se impressionada com a habilidade do investidor no mercado financeiro. As gravações entre Nahas e doleiros revelariam, segundo a PF, que o investidor teria importantes informações privilegiadas. Em 5 de novembro de 2007, Nahas fala com um doleiro que a Cesp seria privatizada e monta operação para ganhar R$ 80 milhões, segundo a PF. O investidor diz na gravação que a privatização fora informada a ele pelo próprio ‘Serra’ (governador de São Paulo, José Serra).


Por escassa que seja a credibilidade do especulador – ele diz ter sabido com antecedência da decisão do Fed, o banco central americano, de aumentar os juros – o mínimo a esperar dos jornais de hoje seria um comentário de Serra a respeito (ou o seu eventual silêncio, se essa fosse a sua reação, caso procurado).


O que não pode é esse silêncio da mídia.