Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Publicidade estatal: O preço do silêncio

O que já era quase um lugar comum nas redações ganhou características de evidência irrefutável a partir da publicação do informe O Preço do Silêncio (em inglês e espanhol), com base numa pesquisa feita pela Associação de Direitos Civis da Argentina, com financiamento da Open Society, a ONG do megainvestidor George Soros.


 


O trabalho de quase 250 páginas investigou casos de uso da publicidade estatal para influenciar o noticiário da imprensa em sete países latino-americanos (Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Honduras, Peru e Uruguai) durante um período de três anos, a partir de 2004.


 


E os resultados são, no mínimo, preocupantes. Na Argentina, o governo de Nestor Kirchner aumentou em 600% a publicidade oficial em jornais das principais cidades do país. Na Costa Rica, as verbas públicas para defender a aprovação de um Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos geraram um escândalo que acabou levando à renúncia do vice-presidente Kevin Casas, em 2007.


 


O informe lista um rosário de casos em que o dinheiro dos contribuintes foi usado para influenciar o noticiário da imprensa. Os recursos variam desde o corte dos anúncios oficiais como forma de pressão econômica, o mais comum de todos os expedientes usados pelas autoridades, até o pagamento de suborno por meio dos famosos envelopes pardos, em Honduras, uma velha tradição neste país centro-americano.


 


Embora o Brasil não tenha sido investigado pelos autores do documento, nós também não escapamos desta sina, quase tão antiga quanto a história política do continente.  Aqui os gastos anuais do governo com publicidade ultrapassam 1 bilhão de reais, mantendo a tendência de alta iniciada na administração Fernando Henrique Cardoso, em 2001.


 


Cerca de 60% das verbas publicitárias do governo brasileiro são administradas por empresas estatais e a televisão leva a fatia mais gorda, com nada menos que 62% do total geral. A TV Globo fica com cerca de 390 milhões de reais por ano (60% da verba destinada às televisões).


 


O informe O Preço do Silêncio coloca sob a lupa num problema que geralmente é mantido na sombra e só aparece nas páginas dos jornais quando empresas jornalísticas se sentem afetadas ou discriminadas.


 


Não é novidade que os governos e empresas usam as verbas publicitárias para amansar ou domesticar a imprensa, há muito tempo. Mas também não é segredo que jornais e alguns jornalistas são cúmplices nesta operação, porque ela garante a sobrevivência de muitos veículos de comunicação.


 


No interior e em cidades pequenas, pode-se dizer que são raríssimos os casos em que jornais, rádios e emissoras de TV sobreviveriam mais que uma semana sem verbas de prefeituras e/ou governos estaduais.


 


Se a imprensa fosse mais transparente em sua contabilidade seria possível ter uma idéia real de sua dependência do governo de turno, não apenas em matéria de publicidade, mas também em dívidas com o INSS, Imposto de Renda e outros impostos e taxas oficiais.


 


Os jornais têm toda a razão ao protestar contra o uso de verbas publicitárias como arma de pressão dos governos, não importa a sua orientação ideológica ou política. Mas se o protesto é baseado em princípios éticos e morais, os jornais, rádios, emissoras de TV e agora também a internet deveriam abrir mão do dinheiro público, como sugeriu recentemente o ex-reporter e editor da Folha de S.Paulo, Alon Feuerwerker, no seu blog pessoal.


 

Mas até agora nenhum órgão da imprensa resolveu ir tão longe em seu compromisso com a independência editorial.