Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quando a midia ajuda a violar direitos

Jornalista que acha que vale o seu sal não pode deixar de ler nos jornais de um hoje um artigo e uma materiola – e de dar razão ao autor do primeiro e ao personagem da segunda. O assunto dos dois é o mesmo. E é de doer que no Brasil ainda seja necessário tratar desse assunto.

O procurador paulista Marco Vinicio Petreluzzi, secretário de Segurança nos governos tucanos de Mário Covas e Geraldo Alckmin, escreve na Folha, e o deputado petista José Dirceu fala na Folha (e no Estado) contra um costume que agentes do direito, agentes da ordem, agentes da informação e agentes políticos – todos movidos por seus próprios interesses – compartilham com a maior naturalidade.

É o de tornar público, por vias transversas, o que foi obtido com a condição explícita ou presumida de ficar em sigilo, salvo por decisão judicial: conteúdo de grampos telefônicos autorizados, ou a identificação dos números de e para os quais se ligou e dos quais se recebeu ligações.

O ex-secretário Petreluzzi entra na história por ter sido escolhido pela Folha para responder “sim” se houve arbitrariedade e abuso de poder na prisão de Paulo e Flávio Maluf. (O “não” ficou a cargo do procurador federal Pedro Barbosa Pereira Neto, um dos que pediu à Justiça que pai e filho fossem detidos.)

Petreluzzi deixa claro que tem horror a Maluf. Tem mais horror ainda a agressões aos direitos humanos.

Entre elas, no caso de que se ocupa, a violação da “privacidade das comunicações entre cliente e advogado”, e a “constrangedora cena do emprego das alegemas em Flávio Maluf” [ver abaixo “Polícia é polícia, bandido é bandido – e jornalista devia ser jornalista”, de 11/9, e “Globo confunde ética do trabalho e ética de trabalho”, de 13/9.]

Trechos do acusação do doutor Petreluzzi:

É inaceitável que as redações de jornais tenham acesso a material coberto por sigilo, tanto mais quando a defesa dos imputados deles não tenha conhecimento… É certo que não se deve negar à imprensa o acesso aos dados imprescindíveis à salutar e democrática disseminação das informações. Entretanto… a mídia deve ser mais responsável na divulgação de investigações policiais.”

Já o ex-ministro Dirceu entra na história ao reclamar da CPI dos Correios que apure quem vazou e passou à imprensa os dados do seu sigilo telefônico, cuja quebra ela tinha aprovado.

Trechos da acusação do doutor Dirceu, tirados do noticiário da Folha e do Estado:

Quero levantar o meu protesto contra a leviandade e imoralidade dos integrantes da CPI dos Correios que abriram meu sigilo telefônico. Esse é um ato que atenta contra o decoro parlamentar… A imprensa está acobertando uma atitude indecorosa de parlamentares que não querem investigar, querem violentar os direitos constitucionais. Alerto os jornalistas e meios de comunicação que suas fontes poderão ser reveladas publicamente se em alguma CPI do futuro vazarem seus sigilos telefônicos.”

É a velha verdade: um erro não justifica outro

A Folha lembra, com razão, que “parlamentares do PT, quando estavam na oposição, eram conhecidos [nas CPIs] por vazarem informações sigilosas para a imprensa.

Mas decerto o jornal não está sugerindo que uma coisa justifica a outra.

O resumo da ópera é simples assim: o fato de Maluf ser quem é e a suspeita de que Dirceu cometeu no governo Lula graves “ilícitos”, palavra que usa no seu protesto publicado hoje, não justifica que os seus direitos sejam transgredidos por procuradores, policiais e – o que mais deve inquietar um jornalista – pela mídia.

Grampos, mesmo legais, não podem ser vazados. Repórteres não deveriam tomar a iniciativa de pedir que as suas fontes os abram. E estas, se os oferecerem, deveriam ser avisadas de que, junto com o material, será divulgado o nome de quem o repassou.

Porque isso não é direito. E porque amanhã a vítima poderá ser não um figurão embebido em acusações, mas qualquer de nós, profissionais da imprensa e cidadãos deste país.

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