Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Quando informar a seco é errado

Em respeito à sensibilidade do leitor, quanto mais não seja, a imprensa não pode dar certas notícias burocraticamente, a seco, sem chamar a sua atenção, mediante tratamento gráfico diferenciado, uso de caricaturas, ou de títulos sarcásticos, de que se está, nesses casos, em pleno “território da galhofa”, como dizia o inesquecível Stanislaw Ponte Preta, criação genial do cronista Sérgio Porto.

Mesmo se o jornal é careta – nada de errado nisso, a propósito –, deve ter imaginação criadora nos momentos certos para reduzir ao que merecem certas palavras noticiadas, cuja ridicularia faz delas algo pior do que um factóide.

Dito de outro modo, em determinadas circunstâncias o jornal precisa compartilhar com o leitor do escárnio em relação ao que diz, por exemplo, o personagem da matéria, quando está claro que isso se lhe aplica.

Vejam só. Ontem, graças aos repórteres Guilherme Scarance e Silvia Amorim, o Estado revelou, em manchete de primeira página, que “deputados têm gastos extras de R$ 11 milhões em 2 meses”.

É um escândalo, o enésimo com a marca de Caim do Congresso Nacional. Entre fevereiro e março, deputados federais compraram – e foram devidamente reembolsados pelo gasto – 1 milhão de litros de gasolina.

Os R$ 2,5 milhões que custaram formam a ponta do iceberg da infame “verba indenizatória” que os parlamentares se concederam quando não conseguiram praticamente dobrar os seus salários. E ninguém fiscaliza as despesas que entram nessa categoria.

”Nos pedidos de reembolso”, apuraram os repórteres, “há despesas com publicações de livros, pesquisa de opinião, aluguel de barcos e aeronaves”. Um deputado, Deley, do PSC fluminense, apresentou notas fiscais que somam R$ 43.585,41. Cobrado, disse que “errou” na declaração.

Pois bem. Hoje o Estado informa que o deputado pefelista, ou melhor, democrata, Alceni Guerra, do Paraná, propôs que a Câmara crie uma Secretaria de Marketing para mostrar o “lado bom do Congresso, oculto e ignorado pela população”.

Assim, sempre que a imprensa expuser os seus podres, a Câmara, reagindo “de forma proativa”, em vez de brigar com a notícia, retrucaria, mostrando a sua utilidade pública. Segundo a matéria intitulada friamente “Alceni quer marketing do `lado bom´da Câmara”, ele sugeriu que a Casa contrate um marqueteiro para “traduzir em linguagem moderna e popular” os feitos dos deputados.

Sei que o leitor é perfeitamente capaz de reagir à leitura dessa enormidade, não precisando ser puxado pelo braço para ficar indignado. O ponto é outro: noticiando como deveria esse escândalo dentro do escândalo, o jornal se mostraria sintonizado com um público para o qual, segundo pesquisa recente e por bons motivos, o Congresso é a instituição que menos merece confiança no país.

E essa identificação, por menos que mude a conduta dos políticos, equivale a uma mensagem que eles devem receber, dia sim, o outro também.

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