Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Quem lutou pela liberdade de imprensa

O jornalista Marcelo Coelho contesta hoje na Folha de S. Paulo, com propriedade, a pretensão do deputado José Dirceu de ter pegado em armas para defender a liberdade de imprensa. Pegou em armas, mas não com essa finalidade. Coelho não tira a razão de Dirceu em relação a alguns episódios, como o agressivo ataque que lhe foi feito por Millôr Fernandes na Veja datada de 21 de setembro, mas põe limites à basófia do deputado.


Quem lutou pela liberdade de imprensa, sem pegar em armas, foram, por exemplo, os jornalistas de São Paulo presos e torturados pelo Exército em outubro de 1975. Um deles, Vladimir Herzog, da TV Cultura de São Paulo, foi assassinado. Eles eram ligados ao Partido Comunista Brasileiro, que propunha a formação, na luta pelas liberdades democráticas, de uma ampla frente política antiditadura. Como aconteceu. Os protestos contra o assassinato de Herzog, um ano depois das históricas eleições em que o MDB derrotou a Arena, partido da ditadura, sacudiram o manto de chumbo da repressão.


Cinco anos depois, em 1980, uma carta-bomba matou Lyda Monteiro da Silva, secretária do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Eduardo Seabra Fagundes, no Rio de Janeiro, e outra mutilou José Ribamar de Freitas, assessor do vereador da Câmara Municipal carioca Antônio Carlos de Carvalho. No mesmo dia, foi desativada uma terceira bomba, colocada na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Centro do Rio. Essa série começou com a explosão de bancas de jornais para intimidar a chamada imprensa alternativa, cujo expoente mais popular era então o Pasquim.


Os atentados da direita militar poderiam ter levado a uma tragédia de proporções incalculáveis se meses depois a bomba do Riocentro, na véspera do Primeiro de Maio de 1981, não tivesse explodido no colo do sargento que a transportava, matando-o e ferindo o capitão Wilson Machado, que dirigia o carro onde estavam. E se outra bomba, mais potente, tivesse destruído a central de energia do Riocentro, deixado o local às escuras e provocado uma correria em que muitos morreriam e seriam feridos, porque a maior parte dos portões do estacionamento tinham sido fechados com cadeado.


A Bomba do Riocentro foi o episódio de ontem do programa Linha Direta, da TV Globo. Todo o processo que começa com os atentados às bancas de jornais está retratado de forma competente, assim como a evidência da culpa dos militares envolvidos. Mas, para variar, faltou contextualização política. Não se mencionou, para dar um exemplo relevante, que o episódio do Riocentro provocou a saída do general Golbery do Couto e Silva do governo de João Figueiredo.


Como sublinharam no documentário a historiadora Lúcia Hipólito e o almirante da reserva Júlio de Sá Bierrenbach, falsear o inquérito policial-militar que apurou o episódio foi uma das maiores manchas da história militar do Brasil. É o que destaca também a historiadora Maria Celina D Araújo em ensaio escrito para a revista Nossa História que acaba de chegar às bancas. Chama-se “Uma bomba na consciência da nação” e diz, na conclusão: “… Foi uma história de impunidade que desmoralizou as Forças Armadas frente à inteligência e aos meios de comunicação do país”.


Seis vezes se tentou fazer um inquérito honesto, mas ele foi arquivado sucessivamente, decisão tornada definitiva em maio de 2000 pelo Superior Tribunal Militar, STM.


Bem diferente foi o destino do inquérito aberto em nome de Clarize Herzog e filhos para responsabilizar a União pela morte de Vladimir Herzog em 25 de outubro de 1975. As autoridades militares tentaram sustentar a tese de que Herzog se suicidara, mas o juiz Márcio José de Moraes, em sentença histórica de outubro de 1978, deu ganho de causa à família de Herzog. Foi o bravíssimo movimento de jornalistas de todo o Brasil, liderados pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que abriu caminho, entre outubro de 1975 e janeiro de 1976, para esse resultado. Em 2004, o episódio foi narrado neste Observatório em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/
artigos.asp?cod=301JDB001