Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Receios sem fronteiras

Os jornais de hoje registram desigualmente a manifestação da ONG francesa Repórteres Sem Fronteiras, a mais respeitada entidade de defesa da liberdade de imprensa no mundo, sobre a proposta do PT de revide aos ‘setores da mídia’ brasileira que seriam cúmplices de uma ‘grande ofensiva da direita’ contra o governo Lula.

A Folha deu uma noteta de 16 linhas a respeito. O Estado, 1/4 de página. O Globo, chamada na primeira e manchete interna. Nenhum deles publicou a íntegra do documento dessa organização apartidária, uma espécie de Anistia Internacional voltada especificamente para a proteção do jornalismo. Lá vai então:


Exmºs Srs.


Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República Federativa do Brasil, e Ricardo Berzoini, presidente do Partido dos Trabalhadores.


Repórteres sem Fronteiras manifesta sua preocupação sobre as conseqüências da decisão adotada no dia 31 de julho pela Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), convocando detentores de mandatos públicos à mobilização contra uma ‘grande ofensiva da direita aliada a certos setores da mídia contra o PT e o governo do presidente Lula’, fundador do partido.


Gléber Naine, responsável pela comunicação do PT, destacou o canal de televisão privado TV Globo e os diários Correio Braziliense, O Estado de S. Paulo, O Globo e Folha de S. Paulo como veículos que ‘nunca fizeram antes oposição a um governo como o fazem agora’.


Esta decisão nos parece inoportuna e sem fundamento. De um lado, se é verdade que a mídia privada do país não poupou críticas ao presidente Lula e seu governo quando de sua chegada ao poder, a relação entre o governo federal e a imprensa evoluiu de forma favorável desde então. Por outro lado, os veículos citados não deixaram de criticar representantes dos partidos de oposição citados em casos de corrupção, abuso de poder e fraude.


É nosso dever lembrar, contudo, que a revelação, às vésperas das eleições de outubro de 2006, de um escândalo envolvendo membros do PT – que tentaram comprar um falso dossiê contendo acusações contra candidatos de oposição – provocou a reação de militantes do partido contra a imprensa. Na ocasião, os demais partidos representados no Congresso que tomaram parte nessas manifestações também tiveram parte na responsabilidade pelas agressões dirigidas contra a mídia, para as quais não servem de justificativa as alianças políticas vigentes.


A resolução que o PT acaba de aprovar ocorre poucos dias após a ampla cobertura pela mídia das manifestações que se seguiram após a catástrofe aérea no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no dia 17 de julho, e as vaias dirigidas ao presidente Lula por ocasião da abertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Tais manifestações devem ser vistas como uma crítica sistemática às autoridades de Brasília? Deveria a imprensa se calar diante desses eventos, deixando-os passar de forma despercebida? É possível responsabilizar a mídia pela insatisfação provocada pela emoção coletiva decorrente da tragédia de Congonhas?


Repórteres sem Fronteiras vem por meio desta chamar as autoridades de governo ao bom senso. A decisão do PT não nos parece em acordo com um partido democrático. Ela só pode alimentar o rancor, e deve ser reconsiderada.


À espera de que nossas considerações sejam ouvidas, queira, Exmº Sr. presidente, receber os nossos votos da mais alta estima e consideração.


Robert Ménard Secretário Geral


P.S. A ponte sobre o Mississippi


Com todo o respeito pelas vítimas da queda da ponte em Minnesota, nos Estados Unidos – quatro mortos, 30 desaparecidos e 79 feridos até o momento em que redijo esta nota – é inteiramente descabido o destaque que o Estado vem dando ao acidente: ontem, todo o espaço útil da página de abertura da seção Internacional, hoje chamada na primeira e o equivalente a uma página e meia dentro.


Já a Folha, acertadamente, abriu ontem a seção Mundo com a perigosa iniciativa russa de considerar o Pólo Norte, rico em petróleo, extensão do seu território. E hoje, mais acertadamente ainda, com as novas revelações sobre o abafa da polícia metropolitana de Londres depois da morte do brasileiro Jean Charles de Menezes. [O Globo, errando ora por falta, ora por excesso, praticamente ignorou ontem a tragédia americana para abrir com ela, hoje, o noticiário do exterior.]


A julgar pelo retrospecto, a mídia brasileira daria uma fração desse espaço a um idêntico acidente que tivesse acabado de acontecer em algum país asiático ou africano. Dali, só mesmo um tsunami para sacudir a imprensa daqui.


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